Mourinho

Ainda me lembro de entrar na porta 10, subir dois lanços de escadas, instalar-me na primeira fila da segunda bancada atrás da baliza sul e ver o tipo, de gabardina preta comprida, com um ar concentrado e seguro, a chegar ao banco. Levantava a cabeça, acenava levemente para as bancadas a agradecer e sentava-se, calmamente. Ainda me lembro de achar que ao fim de 4 ou 5 jogos a equipa já jogava de forma ligeiramente diferente, de forma ligeiramente mais organizada, de forma ligeiramente notória em como cada um sabia ligeiramente o que tinha a fazer. Lembro-me de, depois de sair, depois de ter sido corrido por um bêbado para lá meter outro bêbado, dizer aos microfones da TSF que tinha que fazer o que fez. Para saber se confiavam nele. Para saber se contavam mesmo com ele. É por isso que vê-lo perder com um golo que não existe, num jogo à italiana, com marcações cerradas, sem remates, sem oportunidades de golo, sem lances de provocar enfartes, sem espaço, claustrofóbico, fechado, numa de "eu não jogo mas tu também não", não é fácil. Sobretudo porque nós sabemos que o homem é, sem margem para dúvidas, o melhor. E os melhores raramente merecem perder com golos fantasma. Ainda me lembro de pensar que um convencido é sempre preferível a um bêbado. Hoje a porta 10 não existe, as escadas não existem, a primeira fila da segunda bancada não existe, a baliza sul não existe, o banco de suplentes não existe, já ninguém aplaude o homem soturno de gabardina que acabou de subir as escadas e se senta, calmo, concentrado, a olhar para a relva.

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