Dia 2: Bruges

Três norte-americanas trocam comentários no autocarro, entre "oh yeah" e "ahhhh" estemporâneos. "Is this the center?". "I don't think so", calou-se. Curva à direita, curva à esquerda, chão empedrado. Curva à direita, e o mercado abre-se como se para trás fosse terra batida e houvesse fome de legumes. O cheiro a fritos é ambundante, e muitos, espanhóis, norte-americanos, mexicanos, franceses, holandeses, formam fila em frente às roulotes. Cada cliente atendido sai com recipiente de plástico cheio de batatas fritas, mergulhadas inversamente em maionese. Os edifícios crescem. Aponta-se a máquina, enquadra-se o plano, e o relógio está subitamente ainda mais alto na torre. 366 degraus em escada de caracol, os mesmos para subidas e descidas. Bruges afasta-se em todas as direcções, sem planos elevados. No claustro, em baixo, duas crianças de 7 anos espreitam para dentro de um carrinho de bebé. Cabelo loiro das que espreitam. 4 japoneses exibem sorriso tótó como se não houvesse Japão. Nuvens. Um padre, encostado à parede mais discreta, vai ruminando "respeito" por um microfone. Duas cadeiras atrás, a máquina apontada estremece os canais auditivos do religioso. Levanta-se, vai ruminando respeito pelos olhos. Duas quarentonas de calções fazem festas ao sangue de cristo dentro de um frasquinho. Ponte. Mercado de peixe de arcadas ao ar livre com cheiro a guelras silenciadas há pouco. Quatro degraus e o canal. Apontar, disparar. Uma torre, outra, um jardim com arbusto para o canal. Disparar. Nas pontes crianças de olhos claros acenam. Disparar. À direita o antigo hospital, à esquerda o antigo convento, à direita a casa do poeta, à esquerda a janela mais pequena. Disparar. Quatro camisolas vermelhas apontam Ravel, violino, violencelo. Sol. Chuva, disparada, os instrumentos calam-se. Uma igreja, outra, um jardim contornado. Chuva. O cheiro a fritos dissipado, e já não legumes, espaço. O comboio. Sol.

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