Tarnation *****



Este jovem aqui na imagem é Jonathan Caouette. Ora, para aqueles que pensam que a vida é dura, aqui o Jonathan diz que não. Não, a nossa vida não é dura. A dele é que é. A mãe de Jonathan, em miúda, caiu do telhado de casa dos pais e, ao tocar no chão, não dobrou os joelhos (!). Como ficou com medo de se mexer, e teve um período de recuperação díficil, os paizinhos, avós de Jonathan, não foram de modas: tratamento com choques eléctricos, que a rapariga tinha era fobias. Anos de choques. Resultado: miolos fritos para o resto da vida. Mesmo com miolos fritos, a rapariga conseguiu arranjar um marmanjo e casou-se. Engravidou. O marmanjo, sem saber que ia ser pai, pôs-se na alheta porque a tipa não era boa da carola. E nasceu Jonathan. Como a mãe meia volta tava no hospital psiquiátrico a levar mais um volts na moleirinha, Jonathan foi entregue ao Estado (os avós não queriam saber dele, claro). E como o Estado é um tipo porreiro, vai de o entregar a pais adoptivos ou famílias de acolhimento que mimaram o Jonathan com maus tratos, abusos de toda a ordem, espancamentos, abandono, etc e tal, entre os três e os seis anos, mais coisa menos coisa. A coisa deu pró torto, mas Jonathan conseguiu voltar para casa dos avós (lembraram-se dele, parece). Um dia, em casa da mãe, pediu dois charros a um amigo da progenitora. Chegou a casa e vai disto, fumou os dois de uma empreitada. Azar: estavam embebidos em ácidos da mesma famelga do LCD mas mais fortes. Resultado: danos cerebrais permanentes. O resto são anos de violência, homosexualidade assumida desde os 12 anos, drogas, avós doidos, mãe internada, casa em ruínas. Tarnation, documentário de 2003 que esteve discretamente em Portugal e que o Nimas, em Lisboa, decidiu repor por dois dias (ontem e hoje), é um conjunto de provas sobre a natureza humana. Porque Jonathan foi filmando tudo. Tarnation é uma edição de imagens, vídeos caseiros, fotografias gastas, gravações de cassetes que testemunham uma vida extraordinária. Literalmente, extra-ordinária. O manancial de imagens autoreferenciais que Jonathan Caouette dispunha era simplesmente torrencial. Vai daí, num acto de psico-terapia que mete medo ao susto, revisitou tudo ao longo de 88 minutos de violência extrema em que poucos são os culpados e muitas as vítimas. Jonathan tem hoje 32 anos e vive em Nova Iorque. É actor, é protagonista de Fat Girls, actualmente em fase de pós-produção e realizado por Ash Christian. O Jonathan diz que a vida não é dura. A nossa não.

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