[indieLisboa2006]: balanço

Primeiro que tudo, uma ressalva: eu não estive nas duas primeiras edições do IndieLisboa. Pelo que, como é óbvio, não tenho dados de observação directa que me permitam fazer qualquer análise comparativa. Assim, este balanço é deficitário. Ainda assim, vou tentar. Num plano organizativo, enquanto espectador, saio bem impressionado. E atenção que a minha expectativa era já algo elevada: quem está na origem do Indie é a Zero em Comportamento, antiga Geniuzastare, associação que começou o seu trabalho com ciclos no cinema 222, há anos. Acompanho o trabalho dos seus responsáveis desde o início, desde o tempo em que a sala do Saldanha tinha três ou quatro pessoas para ver filmes, inéditos em Portugal, de Peter Greenaway, por exemplo. Desde aí que demonstraram profissionalismo e qualidade no trabalho, quer de organização quer de programação, para além de um compromisso para com o cinema independente e o seu desenvolvimento. Neste indieLisboa 2006 senti o mesmo espírito, numa dimensão vários furos acima. A informação sobre a programação e procedimentos para o espectador foi atempada e explícita. Não dei conta de perturbações nas sessões, e assisti a quase todos os filmes da competição internacional, para além de outros noutras secções. Apenas alguns atrasos nas sessões, devidamente explicados e com correspondente pedido de desculpas por parte de alguém da organização, e perfeitamente aceitáveis. O merchandising era acessível e bem interessante, do ponto de vista gráfico e de variedade. Questão a corrigir é a de não haver aquisição de bilhetes centralizada, sendo necessária a deslocação a cada um dos cinemas para comprar os ingressos para as respectivas sessões, dificultando, por exemplo, a questão dos descontos no preço para compra de bilhetes em quantidade. Porém, em termos quantitativos, o festival bateu de longe o número de espectadores de edições anteriores, o que é, de facto, bom sinal. Do lado da programação, e sabendo o que sei sobre os anos anteriores, este pareceu o ano da adolescência do Indie. Agora dividido entre os cinemas King, Londres e Fórum Lisboa, num total de seis salas, o evento apresentou dezenas de filmes, para todos os gostos, e dividiu-se em secções esclarecidas, para além das de competição. Especial foco para IndieMusic, que mostrou cinema sobre música (rezam as crónicas que com exemplos muito bons) e para Observatório e Laboratório, dedicadas a experiências e cinemas singulares, realizadores a seguir e consagrados, numa programação mais que variada. Observatório, por exemplo, trouxe inúmeras ante-estreias de filmes já previstos para o circuito comercial, o que dá a entender que o Indie não quer ser evento soturno e clandestino, só para melómanos. Em competição, e sublinhando que só podiam integrar a mesma primeiras ou segundas obras, estiveram filmes que oscilaram entre o falhado, o interessante ou o brilhante, o que é positivo. Com cinematografias tão distintas como a canadiana, a asiática ou a sul-americana, foi uma programação atenta e à procura de novos valores, mais do que créditos firmados. Play, da chilena Alicia Scherson, acaba por levar o prémio máximo, e foi um dos três filmes que não vi. The Death of Mr. Lazarescu confirma o percurso premiado e sai de Lisboa com uma justíssima Menção Honrosa. Do lado do Público, parece natural o sublinhado claro a Movimentos Perpétuos, de Edgar Pêra, seguido de perto por À Flor da Pele, de Catarina Mourão, ou Mirrormask, de Gaiman e McKean. Em termos de cinema, concretamente, e a partir do que vi e do que ouvi, ficam-me algumas ideias. Primeiro, a de que o cinema independente, em termos de meios e condições, se mantém claramente nas franjas dos esforços financeiros globais. Praticamente todos os filmes a concurso são de baixíssimo orçamento, assumido sem quaisquer problemas pelos respectivos realizadores. Não se ouviram, felizmente, queixumes ou resmunguices sobre isso mesmo, sendo que todos os realizadores presentes pareceram confortáveis com as situações, o que não deve ser confundido com resignação. Segundo, a de que o cinema independente actual se foca muito na experiência humana no seu percurso individual, ao contrário de uma tendência que reflectia a relação entre homem e tecnologia há uma década, por exemplo. Por reflexo da contemporaneidade ou simples procura de temas não recriminados, os filmes independentes vistos parecem querer deter-se sobre a realidade humana enquanto experiência individual de procura, e não de partilha ou comunicação. Sinal disso mesmo é muitos terem a solidão ou o desencanto como tema central. Terceiro, a de que muitos argumentos se alicerçam num vazio, na mesma medida em que Seinfeld era uma comédia sobre o nada. Parece ser este caminho meio perdido, que simultaneamente é sobre tudo e sobre nada, qua atrai realizadores para construirem os seus filmes. Quarto, uma convergência clara entre ficção e documentário, assumida ou não. Enquanto objectos que reflectem um conjunto de noções, os filmes vistos parecem recorrer ao cinema documental como muleta formal de legitimação, não no sentido científico do termo, mas como forma de sublinhar uma determinada natureza independente e, ao mesmo tempo, veicular de forma menos estética, se se quiser, o que está na base do seu argumento e, assim, conseguir atingir o espectador de forma mais eficaz. No fim e no todo, aplauso ao Indie.

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