Cracóvia

Os velhos abandonam-se nos cafés. É de manhã, e nada impede que recordem, dolorosamente, as vidas que não tiveram. Passo, e acorre-me a tua ausência. Imagino a tua morte, sem dor excessiva, e conforto-me com a distância. A vida é uma relação relativa. A casa respira pelo esquadro de céu que se vê do sofá. Margaridas envelhecem sem culpa. Ao fundo, dois candelabros sem identidade regeneram-se mutuamente. Mais tarde serão apresentados, e quase tudo fará mais sentido para a vizinha que acorre à janela, dois andares acima, diligentemente à procura de conforto visual. Suponho que acordo frequentemente com o sino, e em nada me sinto prejudicado face à outra margem. Imagino-te em dor, e sei, talvez, que os demónios que alimentam a carvoaria nos aproximam, mais até do que outras formas de transporte. Estico as imagens, sonâmbulo proactivo, e abandono-me, de manhã, à recordação de Cracóvia.

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