Eleições: Lisboa

Andei a adiar o meu novo recenseamento desde Janeiro. "Ah, e tal, tenho que lá ir". "Ah, pois é, esqueci-me". Na semana passada tratei do assunto. No mesmo dia, a Câmara caiu. Uma das questões que sempre me irritou profundamente foi não votar em Lisboa. A casa dos meus pais situa-se a escassos metros do limite do conselho. Estudei em Lisboa, trabalhei e trabalho em Lisboa, vi sempre cinema em Lisboa, passeei em Lisboa, saí à noite em Lisboa, comprei quase tudo o que tenho em Lisboa. Votei na Amadora. Apesar de apenas e só residir no concelho, e passar muito mais horas em Lisboa do que em casa, a lei sempre me obrigou ao voto ali. Agora, finalmente, decido sobre o futuro da cidade que verdadeiramente me diz respeito.
A palhaçada a que a situação da CML chegou merece poucos comentários. Dos poucos, salienta-se que tudo começou com Santana. Corria o Verão de 2001 e quis a sorte que o meu primeiro trabalho a solo em imprensa generalista (Diário de Notícias) fosse a cobertura de um encontro de Santana Lopes com representantes da Associação de Comerciantes de Lisboa. Na cave do Nicola, entre velhos detentores de lojas bafientas, eternos conhecidos do regime salazarista, Santana mostrou o que se viria a concretizar na semana passada: total delírio semi-político, com manifesta ausência de visão de qualquer ordem: urbanística, cultural, social ou outra. De lá para cá, Santana chegou ao governo e transmitiu ao Estado esse profundo caos emocional. Lançou o guerreiro-menino de forma singela, e marcou decisivamente os primeiros aos políticos do séc. XXI português.
Estamos, quer-me parecer, no final de um ciclo político. Poderemos estar, parece, já livres da sobranceria mediático-filosófica de Carrilho, como da inaptidão operacional de João Soares ou da inabilidade global de Carmona. Poderemos estar, parece, num caminho de retorno à rectidão de Sampaio.
É mais do que óbvia a jogada fortíssima de Sócrates, ao avançar com um dos melhores ministros que tem. António Costa nunca escondeu a veia autárquica, revelada em Loures. Nos próximos anos nunca teria hipóteses governativas, e não se lhe conhecem competências técnicas específicas para um cargo internacional. É um político, puro e duro, com visão global, experiência operacional e disponibilidade para um dos lugares mais importantes no país. Rapidamente Sócrates conseguiu substituir um ministro popular e forte por um ministro mediaticamente desconhecido mas politicamente reconhecido, oriundo directo de um organismo acima de qualquer suspeita: o Tribunal Constitucional. A equipa de Secretários de Estado mantém-se, e tudo parece estar bem no reino da Dinamarca. Ao centro-direita o desespero manda Fernando Negrão para a fogueira, quando os pesos pesados do partido se escondem nas sombras, como se nada se passasse, e Marques Mendes não tenta sequer meter-se em bicos de pés. Portas fará o seu jogo para um pelouro e precioso tempo de antena. O PC mantém o homem de sempre e o Bloco pisca o olho à outsider, que, ainda que desencantada com o aparelho do partido de origem, não cai em facilitismos.
A campanha será rápida e simples. Os lugares estão traçados. Não há heranças, e ninguém assumirá que lá estava. Ninguém defenderá obra feita, porque não existe. Não há renovado Parque Mayer, o túnel do Marquês não está pronto, a reabilitação da Baixa-Chiado não existe, não há projectos, não há visão, há um gigantesco buraco financeiro. Não há máquinas de campanha oleadas, não há materiais, não há plano, não há programa. Vão surgir palavras, um ou outro debate, uma ou outra ideia nova para animar a malta, muita conversa sobre as contas. Alguns falarão em auditorias ou inquéritos, para depois dizerem que a situação é gravíssima. Já sabemos isto tudo. Ao trabalho, então.

PS: se não me engano, daqui por três ou quatro meses o Castelo de S. Jorge será aberto de novo a todos os visitantes, sem bilhetes de entrada ou demais brilhantismos. No dia em que isso acontecer, voltarei. E aqui será dada conta.

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