[IndieLisboa08] Introspective (****)

[IndieMusic] É comum a produção de documentários sobre determinado movimento ou tendência musical. O que já é menos comum são documentários que questionam a existência de uma categoria específica e que discutem os pressupostos sobre a mesma com os seus actores. O espanhol Aram Garriga olhou para o conceito de Pós-Rock e coçou a cabeça. Aproveitando a existência dessa benção que é o festival Sonar, em Barcelona, o realizador falou com inúmeras bandas que estariam incluídas no Pós-Rock durante dois anos, e discutiu o conceito, a evolução do som e da música, a produção musical num campo experimentalista, tendo ainda tempo para filmar um conjunto de concertos. O resultado é um excelente documentário, conseguido sem orçamento, onde Garriga fala com Sonic Youth, Mogwai, Mouse on Mars, Wilco, Yo La Tengo ou Tortoise sobre a origem do Pós-Rock, a sua existência ou não, as suas motivações e processos, os seus desejos ou projectos. No fim de contas, o filme acaba a discutir a evolução da música e da cultura como produção humana, por entre excertos de concertos, testemunhos de músicos e informações contextuais ponderamente introduzidas. O olhar do realizador é não só sobre o tema, enfiando a faca até ao fim, mas também sobre a imagem. As entrevistas são gravadas de forma informal e com planos dinâmicos, os concertos apresentados como pano de fundo à discussão, ilustrando de forma cabal a dificuldade de encaixar semelhantes nomes numa só categoria, tique nervoso da sociedade comercial. Introspective é a prova que se consegue fazer muito bom cinema sem dinheiro. Não que deva ser assim, mas assim sabe melhor. Take that, you f**** producers!

[IndieLisboa08] Charly (*)

[Competição Internacional] Não me recordo de aqui alguma vez ter dado apenas uma estrela a um filme. Chegou o dia. É hoje. E logo com um em competição. Isild Le Besco é actriz. E, como muito boas actrizes, achou que dava uma boa realizadora e vai de ataviar. O resultado é aquilo que gosto de designar por um filme-calhau. Nicolas é um jovem de 14 anos que vive com os avós num meio deprimido. Fraco estudante, fica com um livro de um professor onde está um postal de Belle-Ile. Nicolas sai a meio da noite, sem plano, para Belle-Ile. Depois de uma boleia nocturna, dorme numa pequena vila em nenhures no meio da rua, onde pela manhã passa Charly, jovem prostituta. Charly, com tiques de obsessiva-compulsiva, acolhe Nicolas numa roulote no meio de um descampado, ele que praticamente apenas sabe repetir uma frase: "não sei". Nicolas é um calhau. Le Besco filma como um calhau e quando quer fazer um filme sobre uma prostituta reduzida à obsessão e obrigada a crescer depressa demais, passa duas horas a filmar um grunho de 14 anos. Nada no filme faz sentido e tudo é gratuito, à excepção da interpretação de Julie-Marie Parmentier, a jovem Charly. Vê-se que a coisa foi feita sem meios, filmada em cima do joelho, mas isso não justifica um filme acéfalo, no limiar do idiota, que não quer mostrar coisa nenhuma mas também não tem coragem para o assumir, e que sobrevive apenas no olhar de uma personagem bizarra sustentada por uma actriz que valerá a pena seguir em tempos mais próximos. Senhora Le Besco, dedique-se à pesca, sff. A gerência agradece.

[IndieLisboa08] The Heroic Trio (***)

[Herói Independente] Só com os três últimos filmes, e com a entrada nos principais festivais europeus de cinema, é que Johnny To chegou às mentes da Europa. Mas antes disso o senhor já andava por Hong Kong a filmar delírios. Bom exemplo é este The Heroic Trio, série B asiática assente nas mais extraordinárias ideias. Reza a sinopse que "uma anónima cidade do futuro em estilo rétro entra em pânico quando uma mulher invisível começa a raptar bebés recém-nascidos destinados a ser imperadores e a entregá-los ao misterioso e subterrâneo sobrenatural Senhor do Mal. A polícia está impotente, e a cidade tem que ser salva por três mulheres muito diferentes que partilham um terrível passado. Tung, a Mulher Maravilha; Chat, a Caça-Bandidos; e Ching, a atormentada mas determinada mão direita do Senhor do Mal, a Rapariga Invisível." Posto isto, pouco a dizer. O filme é, claramente, assinado. E por aqui se vê a homenagem que o Indie 2008 presta a To: os seus trabalhos têm a sua marca, e isso vê-se. Não é um filme extraordinário, mas também não era essa a proposta. Também não é um emblema do género, e sobretudo porque já veio tardio, em 1993, quando parece de oitentas. E se calhar daí o trio ser heróico mas não fantástico.

[IndieLisboa08] Happy-Go-Lucky (*****)

[Observatório] Oficialmente, a filmografia de Mike Leigh recua a 1971, com um desconhecido Bleak Moments. Mas até 1988 o britânico dedicou-se à televisão. E a memória de algo mais válido só vem em 1993, com Naked. Ok, na prática, Leigh é conhecido por Secrets & Lies, de 1996, o dramalhão realista que voltou a colocar o Reino Unido (e a Europa) em lágrimas abundantes e a desenterrar cadáveres do armário como ninguém. Lembrando: é aquele em que uma mulher negra identifica a mãe como uma senhora branca de classe operária e a partir daí toda a gente na família tem um esqueleto escondido. Remember? Pois. Daí para cá Leigh fez o mal amado Topsy-Turvy, e Vera Drake, projecto com cara de BBC que nunca se assumiu como filme a sério e deixou o inglês a marinar como figura proeminente da sétima arte europeia. E portanto, Leigh tinha dois desafios: por um lado tosquiar a lã de realista dramático que lhe cresceu nas costas, e por outro recuperar a veia de cinema que se escondeu atrás da pele de televisão. Ontem, o Indie mostrou em ante-estreia nacional o resultado deste processo, e dificilmente podia Leigh ter acertado mais na mosca. Happy-Go-Lucky é, dentro das minhas categorias mentais discutíveis, aquilo que gosto de designar por um filme delicioso. A história parece simples: Poppy é uma professora primária de trinta anos, com uma vida desligada de responsabilidades de maior. Mas muito mais que isso, Poppy é a pessoa mais positiva e bem disposta à face da terra. Não, Poppy não é pateta. Nem burra. Poppy é inteligente, linda (em estilo inglês) e tem esta questão: é profundamente feliz e tudo, mas tudo, tem um lado positivo. Tudo é solar. Tudo tem volta, imediata. Happy-Go-Lucky, expressão que se pode traduzir por Um Dia de Cada Vez, é definitivamente uma pedrada no charco na carreira tematicamente soturna de Leigh. E, felizmente mais do que isso, é um filme sólido, equilibrado, que em momento algum cai na patetice ou idiotice, que apresenta personagens, situações e questões de profundidade. A espaços com diálogos quase "altmanianos", e mostrando uma Londres muito Paris, o trabalho do britânico, no fundo, não foge ao padrão de discussão das relações humanas que o ocupa. Mas fá-lo numa vertente contrária à comum. Sally Hawkins, que já havia aparecido em Vera Drake mas é uma cara da televisão, é um bálsamo de interpretação num papel enorme, e de enorme dificuldade (quem consegue ser assim?). E no fim de tudo estamos a falar de uma comédia. Parabéns, senhor Leigh, parabéns. (Vénia).

[IndieLisboa08] The Field Guide to North America (-)

[IndieMusic] Sim, não há pontuação. Não, a coisa não é má. Só que não é filme. The Field Guide to North America é uma compilação de vídeo-clips e/ou curtas-metragens de músicos ou bandas da corrente independente que têm marcado os Eua e Canadá. E portanto, sim, há trabalho de compilação (os senhores responsáveis pelo projecto chamam-lhe “curadoria”) mas não há realização, a não ser a dos próprios clips. E aqui, declaração de interesses: a quem a música independente for estranha ou repelente será difícil olhar para este trabalho com olhos de ver. Porque, como é óbvio, o trabalho visual tem ligação directa, sem ignição, com os sons produzidos. E o Guide merece duas notas. Uma, para a gente boa que tem lá dentro, a começar em Devendra Banhart, passando por Joanna Newsome e acabando em Smog ou Mice Parade. São ilustres representantes do hype da independente dos últimos anos, e capazes de criar as coisas mais doces, alienadas e interessantes do actual panorama musical fora da caixa pop. Outra, para a excelente escolha de filmes, a maior parte com base em animação, que se configura não só como um deleite visual mas também como lança criativa num meio onde muitas vezes o clip serve apenas para vender discos e não para vender música. Aos curadores, um bem-haja.

[IndieLisboa08] Pas a Nivell (***)

[Competição Internacional] O único filme espanhol em competição é profundamente espanhol , pelo menos no ambiente que transmite. Rodado em Girona, estância balnear da Catalunha, com Barcelona no horizonte, o trabalho de Pere Villà segue Marc, um jovem em final de adolescência. E tudo em Marc é atípico, ainda que existente. Confrontado com uma nota positiva no exame final de liceu, Marc desde início dá o mote: pede para a nota ser revista em baixa, para chumbar. Recusado o pedido fora do comum, as duas horas seguintes mostram um espanhol perdido, sem saber o que fazer, incluído numa família comum a braços com problemas comuns (divórcio por formalizar, falta de relações afectivas profundas), e claramente espanhol, ou mediterrânico se se quiser. Marc passa o Verão a transportar turistas para desportos aquáticos, dorme sestas por inaptidão de fazer algo mais, vive com uma avó catalã que lhe ensina as Sardanas. Marc é um atípico jovem urbano porque sem círculo de amigos, sem festas à noite ou mil namoradas. Mas o catalão é típico numa juventude mediterrânica mais comum do que se possa pensar: perdida no horizonte profissional, perdida numa sexualidade ainda não revelada por timidez e que encontra numa prostituta de beira de estrada a imagem para uma masturbação de duche, perdida à beira da praia diluindo-se num calor abrasador que reduz toda a actividade. É uma outra adolescência, a de Marc. Não devora experiências em ritmos reconhecidos, mas antes fantasia com as mesmas. Não se esvai em espontaneidade social, mas antes se refugia num núcleo familiar já de si frágil. Marc fala pouco, e felizmente o filme fala por ele. Porque é apenas aqui, em conteúdo, que o trabalho de Villà se salva do purgatório. Em forma, Pas a Nivell é um filme contaminado pela temperatura e pela languidez dos personagens e do contexto, mas que se arrasta de forma desnecessária a espaços, tornando-se difícil de ver. O espanhol filma de forma seca, directa, quase simbólica, e se o espectador tiver um pouco menos de paciência tudo de perde porque o realizador insistiu demasiado na linha. Interessante apenas, Pas a Nivell poderia ser mais. Mas não é.

[IndieLisboa08] Mister Lonely (*****)

[Observatório] O meu primeiro contacto com Harmony Korine foi em Julien Donkey Boy, de 1999. Na, acredito eu, única apresentação em cinema em Portugal (mais concretamente no desactivado Cine222) percebi que estávamos na presença daquilo que gosto de designar por um gajo esgroviado. Korine era e é um espírito livre. E soturno, até agora. Vejamos: em Gummo, de 1997, seguia um conjunto de personagens numa Ohio devastada por um tornado, e Julien, dois anos depois, era um esquizofrénico numa família rasgada pela estupidez. Korine, que esteve dez anos sem filmar uma longa metragem, construiu não só o mito do seu cinema independente, como o alicerçou em retratos duros, negros e irreais de verdadeiras personagens, mais do que pessoas. E eis que, chegado a 2007, Korine olha para trás e decide arriscar no mundo positivo. Mister Lonely é, assim, claramente um filme de Harmony Korine, mas pelo lado do risco que o norte-americano sempre seduziu, mais do que pela temática. E ficará possivelmente como o filme mais surreal do Indie: algures nas montanhas uma comunidade de sósias de artistas sobrevive criando gado e montando uma barraca que baptizam de teatro. Marilyn Monroe é casada com Charlie Chaplin, a raínha de Inglaterra dorme com o Papa, Michael Jackson ainda tem o nariz direito e dá gritinhos há beira do lago, e Abe Lincoln ri-se como um trovão. O objectivo é claro por entre a irrealidade dos agentes: não envelhecer ou pelo menos permanecer na expectativa do derradeiro espectáculo, onde todos podem ser quem decidiram ser e não quem a sorte ou azar os entregou na realidade. Pelo meio Harmony semeia freiras que caem de aviões e não morrem. Pelo meio Harmony lança músicas tribais do Mali. Pelo meio Harmony faz o filme mais positivo da sua vida, e atinge o ponto de contacto onde ele dói, atirando o ser humano para a sua própria escolha de real e não como vector reactivo de uma sociedade onde, parece, muitos estão deslocados. Decorem este nome: Harmony Korine.

[IndieLisboa08] Avant Que J'Oublie (****)

[Observatório] Final de uma triologia, Avant Que J'Oublie é um documento singular. Do francês Jacques Nolot, que também interpreta, o filme aborda o meio dos gigolos clássicos de Paris, de cariz homossexual, figuras liberais que oscilam entre os sentimentos criados para com quem lhes paga e o dinheiro desses mesmos, as heranças ou a transição para outra vida. A história é, em base, simples: Pierre, com 60 anos, é um ex-gigolo a quem o parceiro morreu e não deixou os quinze milhões que deveria. Ocupado pela insónia, viciado em tabaco e whisky, em depressão profunda e perdido no relacionamento social que perdeu com o mundo, seropositivo que rejeita a morte há 24 anos, Pierre ocupa-se da escrita e pensa em jovens para breves serviços sexuais, gigolos de ocasião que assim invertem a ordem das coisas. Pierre atravessa assim Avant Que J'Oublie como uma nuvem, mostrando uma Paris clássica e entregue ao corpo, envelhecido, refém de si mesmo e de uma vida de afectos estilhaçados, que se perdem quando se discute uma herança à mesa do café. Enquanto trabalho, o filme de Nolot tem enormes virtudes. Antes de tudo, olha para uma realidade pouco comum no cinema dito sério - o mundo dos gigolos - com olhos de realidade. Isto é, não se fala de prostituição mas de gigolismo. Há afectividade, ainda que distância. Há um olhar, dir-se-ia, nobre sobre a sexualidade, mesmo que promíscuo. Há, sobretudo, uma frontalidade e crueza nas relações que se admira enquanto expectador. E daqui deriva todo o trabalho do Nolot realizador, os planos longos e as sequências que sussurram solidão, a captação dos olhares vagos, as falas directas e envelhecidas, a criação de um ambiente psicológico sólido, com uma sequência final inevitável e no gume da faca, segura em pontas. Claramente um dos filmes mais off-beat do Indie, e verdadeiramente mais independente.

[IndieLisboa08] Joy Division (*****)

[IndieMusic] Se há secção em que o Indie sempre apostou e está melhor que nunca, é na de filmes associados ao meio musical. Vimos Lou Reed's Berlin no primeiro dia e valeu a pena. Ontem, Joy Division poderá ficar com o grande documentário musical da edição de 2008. Numa altura em que a carreira e história dos quatro de Manchester está perfeitamente disseminada em cinema, tendo começado com 24 Hour Party People em estilo ficcional e continuado com Control, de Anton Corbjin, não é fácil partir de novo há descoberta do grupo que emergiu do punk para algo superior. Mas este simplesmente Joy Division consegue-o de forma absoluta. Primeiro, porque o trabalho de Grant Gee tem acesso a um manancial de informação jamais visto, documentos, histórias, imagens, gravações audio e vídeo, testemunhos diversos. Segundo, porque, com isso, Grant constrói um documento visualmente hipnótico, com sobreposição de imagens, manipulação de documentos e sons, de tal forma que toda a energia do punk, dos Division, de Curtis, é passada de forma consistente. Terceiro, porque ao contrário de outros Gee não elege Curtis como elemento único mas antes situa-o na importância reconhecida dentro do grupo. Claro que esta era central, mas em termos de atitude Gee não olha para Curtis como início e fim dos Division. Antes apresenta-nos tudo o que interessa para compreendermos o som, o contexto político, social, cultural da Manchester tatcheriana, a intervenção dos produtores no som da banda e na reinvenção do punk, as histórias escondidas, os pormenores e as memórias obtusas. E tudo isto na voz dos representantes directos do projecto, os Division eles mesmo, e Annik, e Tony Wilson, e quem mais teve contacto, de forma profunda, com os quatro putos ingleses que determinaram o som de finais de setenta e por aí em diante. Como filme, Joy Division é absurdamente bom, pelo estilo, pela estrutura, pelo contacto tanto com o realismo dos intervenientes quando falam como pela sua utopia quando olham, pelas imagens, por ir atrás de outras imagens (como as de Corbjin, por exemplo), por ir atrás do espírito de Curtis dentro da bipolaridade agora conhecida e a epilepsia então diagnosticada, por olhar nos olhos uma banda que, para todos os efeitos, trouxe efectivamente muito de novo à realidade de então e de agora. Só por Joy Division já valeu a pena ter Indie.

[IndieLisboa08] The Mother (**)

[Competição Internacional] No primeiro dia de Competição Internacional, quem, como eu, viu os dois primeiros filmes da secção pensaria estar no DocLisboa em vez do Indie. Mas se The Flower Bridge tinha virtudes, já The Mother, centrado numa temática semelhante, parece ter mais defeitos. Aqui, ao contrário do filme de Ciulei, é uma mãe-coragem que se apresenta aos olhos da camera de Antoine Cattin e Pavel Kostomarov. Lyuba, como Costica na Moldávia, não tem uma vida fácil. São nove os filhos da russa, e muitas as agruras da realidade, desde abusos e abandonos na juventude, até maus tratos e miséria na vida adulta. O quotidiano é feito de trabalho braçal numa criação de vacas, e de controlo da casa onde pululam desde pequenas crianças até adolescentes. De novo, um documentário, este menos filmado como ficção. E agora onde Ciulei procurou a felicidade, Cattin e Kostomarov ficam-se com o que a realidade lhes dá. Reactivos, não têm praticamente qualquer olhar original sobre uma história como tantas outras, nem sequer exploram os temas internos àquelas pessoas. Exemplo: numa sociedade profundamente marcada pela falta de estruturação familiar estável, onde os homens se entregam ao alcoolismo e as mulheres continuam a assumir um função operacional dentro de núcleos familares numerosos, os realizadores podiam ter ido atrás da educação que Lyuba dá (ou não dá) aos seus "pequenos homens", que visivelmente virão a ser como os que os precederam. Mas se por cinco minutos o caminho parece identificado, logo se perde a olhar para uma vaca ou em sequências de quotidiano extensas que nada acrescentam ao documento. Na prática, Cattin e Kostomarov criaram um filme seco, sensaborão e esticadinho, que vai beber à escola dos documentários-realidade de forma directa e acéfala. Mais um, parece, que sairá do Indie pela porta pequena.

[IndieLisboa08] The Flower Bridge (****)

[Competição Internacional] O hype do cinema romeno continua a produzir realizadores, filmes e documentos, e The Flower Bridge não foge ao padrão. Ainda assim, sendo do romeno Thomas Ciulei, o filme a competição internacional centra-se na realidade de uma família Moldava, longe de Bucareste. A história é, em síntese, simples: Costica é um homem envelhecido pelas agruras da ruralidade que cria sozinho três filhos, em virtude da mulher ter emigrado para Itália em busca de trabalho e tardar a regressar. O pano de fundo, aí está, é uma Europa de Leste deprimida e longe da revolução económica esperada, ainda presa a uma sociedade de interior longe de tudo que se centra na agricultura e pecuária para sobreviver. A aldeia de Costica, e dos pequenos sortudos com um pai-coragem, tem ainda uma estátua de Lenine, a olhar o vazio, e assiste à neve como à lama com aceitação comum. Ciulei cria um documentário filmado como se de ficção se tratasse, ainda que cada olhar da família moldava directo para a camera nos recorde que aquela casa, aqueles montes e aquelas lágrimas ou sorrisos existem. E o filme salva-se, dir-se-ia, porque Ciulei se lembrou de o salvar. Em si, a história é banal e em nada contribui para uma discussão sobre o cinema, ou sobre a Europa de Leste, ou sobre a sociedade. Mas Ciulei tem duas atitudes que recuperam The Flower Bridge para o caminho dos vivos. Primeiro, o romeno procura activamente a imagem feliz, e acaba por se dar bem. A fotografia do filme é doce, a espaços facial, a outros sobre a natureza, mas alicerça uma simpatia que o espectador nutre não pelas personagens mas pelas a imagens que, inadvertidamente, criam, e que Ciulei aproveita como canibal. Segundo, a presença do fantasma da mãe, ausente mas tentativamente presente, é introduzida no tempo certo e confere profundidade a um documentário que, salvo isso, estaria condenado à banalidade. Muito dificilmente sairá do Indie com um prémio, mas confere a Ciulei boas costas largas para o futuro.

[IndieLisboa08] Lou Reed's Berlin (***)

[IndieMusic] Berlin é, primeiro que tudo, um álbum de 1973 de Lou Reed. Depois do sucesso de Walk on the Wild Side, Reed gravou um disco profundamente diferente, fusor do seu estilo único mais conversado que cantado com uma pequena orquestra de cordas. O resultado foi algo muito diferente do que se ouvia em 1973, um trabalho com uma linha melódica consistente e avançada para a época. O ponto de partida para o filme de Julian Schnabel são concertos, de 2006, onde Reed recuperou Berlin, agora em Brooklin. Com uma componente visual presente ainda que não avassaladora, os concertos transmitem a energia de Reed, entusiástica ou downtempo. O filme de Schnabel não é mais do que um concerto filmado, por múltiplos ângulos. A mais valia do realizador está sobretudo no trabalho de manipulação de imagem e da forma como esta comunica com a voz de Reed e com o conteúdo das canções. O público é ausente, e todo o pensamento cinematográfico centra-se em Reed e na sua forma de comunicação, seja pela voz, seja pela presença, nos mais ínfimos detalhes. Não interessa a Schnabel o Reed comunicador de massas, mas antes o artista em si e a forma como a música que cria o define. Não sendo um filme extraordinário, Lou Reed's Berlin é um documento singular, com uma visão incomum sobre a criação de som e música e o artista enquanto agente de comunicação e criação. Sublinhe-se a excelente infraestrutura de som do Teatro Maria Matos, palco da sessão de ontem, elemento fundamental neste tipo de projectos, em que o som é o principal personagem.

IndieLisboa 2008: the beggining

Chegado o dia, o Animatógrafo afirma o inevitável: esta será a semana Indie. Por aqui não poderemos estar reduzidos a apenas isso (caramba, o Santana candidatou-se, ainda não consegui parar de rir!), mas será sobretudo isso. São mais de 20 as sessões nas quais estaremos presentes, todas com direito a respectivo texto. Veremos toda a competição internacional, alguns filmes da secção Observatório, alguns documentários da área musical e alguns trabalhos também de Johnie To e Juan Luís Guérin. Estavam à espera de quê?

Chegámos ao Barreiro!

A vida tem destas coisas: uma posta sobre a careca do pseudo-homem, já recriminada por emigras ressabiadas (ver abaixo), aparece na secção de Blogs do Notícias Sapo do Barreiro. E eis que as visitas aqui ao tasco disparam. No fundo no fundo, eu acho que todas sabem que o homem é menos dotado capilarmente que um rato pelado, mas elas querem ver, querem ver... pois é...

A verdade é que


A verdade é que este é, possivelmente, o mais feliz cartaz de sempre de Cannes. Ou não fosse a foto de David Lynch.

O Tony Carreira é careca (eu sei)

No universo paralelo da música romântica, de cariz emigra, de calça justinha, paneleirice escondida e filhos falsos, há semi-universos curiosos. Veja-se a actual onda de simpatia por Tony Carreira. A semana passada o "cantor" deu longa entrevista na SIC, em que discorreu sobre matérias que "preocupam a sociedade". Antes encheu já páginas de publicações menos suspeitas que a revistinha da junta de freguesia. Na prática, todo um país se parece enamorado pelo homem das pérolas musicais da última década, a começar em "mãe querida" (que inclui todas, mesmo as que trabalham em Coina nas horas ocupadas) e a acabar na "carinha laroca" (que inclui as mesmas, quando atravessam às quatro e fazem o outro lado da estrada). Ora, a verdade, verdadinha, e o Animatógrafo dá aqui em primeira mão, é que o Tony (este não dos Bifes, esse clássico do Saldanha) é, na superfície e não no fundo, careca. É um choque, eu sei, mas há que lidar com isso. Repare-se na foto acima. Ninguém tem aquele ângulo de cabelo. E o Tony, mesmo que queimadinho no frio da bidonville, não teve nenhuma contaminação radioactiva que provocasse danos capilares de longa duração. Não, a realidade é bastante mais crua, ou só menos crua se fizermos um paralelismo com a careca dos padeiros antigos (cujo cabelo se perdia na temperatura à porta do forno). E olhe-se agora tanto para as "carinhas larocas" que enchem o Olympia, esse antro de reminiscências de sessenta, como para as preocupações do país que Tony reverbera. As primeiras vêem, na prática, um bonito homem-sexual capilarmente tolhido, ainda que esforçado no seu ângulo propedêutico de cor preta. As segundas servem de alvo intelectual menorizado, agora ocupadas pela mente de um homem careca que apela à sexualidade frustrada de semi-obesas que sonham com velas de tangerina espalhadas pelo mosaico do corredor e um negro previamente depilado espalhado onde calhasse (mas preferencialmente no cadeirão de verga). A verdade custa a engolir.

A minha palavra favorita da semana XII


Delay

Mulheres levadas da breca VIII


Asia Argento

Genéricos de TV I - Nip Tuck

Hora do Monstro III - 2000

A minha palavra favorita da semana XI


Puppet

Eu Vou

... ver O Estranho Mundo de Jack em 3D, a partir de dia 24. Porque será um enorme orgasmo visual.

Música de domingo VIII



Bjork, Wanderlust, in Volta

A verdade é que

A verdade é que os intelectuais morreram e ninguém quis ir ao funeral. Mas estamos todos a pagar a conta. Com eternos juros de mora.

Youth Without Youth (*****)


É um facto indesmentível que Francis Ford Coppola já entrou na história do cinema antes de Youth Without Youth. Terá bastado Apocalypse Now e a triologia The Godfather para o norte-americano figurar na galeria máxima do motion picture mundial, nomeadamente como um dos expoentes máximos do lado de lá do Atlântico. Ainda assim, aos mestres exige-se mais do que aos defuntos, e a Coppola exigiu-se durante muito o seguimento daquela que foi uma das mais brilhantes carreiras cinematográficas dos anos 70 e 80. Já Dracula, lançado para os ecrãs em 1992, tinha sido uma respiração forte do realizador que parecia apagado. Mas depois nada veio e Coppola começou a mistificar-se. Chegados ao dia de hoje, chegados a 2008, eis que Coppola regressa. Youth Without Youth é definitivamente um dos filmes do ano e recupera o americano à luz do cinema, mesmo que públicos e/ou crítica não lhe queiram granjear louvores. O filme é um Coppola que não é um Coppola e assim se torna um Coppola. Paradoxos à parte, explica-se. É um Coppola porque assinado, de forma profunda, pelo realizador. Não é um Coppola porque foge quase por completo a uma cinematografia de origem formalmente norte-americana, singrada nas feridas dos Estados, sejam a história da maior organização underground em terras de Sam - a Máfia - ou o desastre que mais terá marcado a história bélica do século XX a olhos unidenses - Vietnam. E acaba por ser de Coppola precisamente por não ser, por ser um objecto assumidamente experimentalista, com os dois pés e cabeça fora de uma realidade palpável, e por devolver um Coppola que arrisca no limite, que recupera uma visão de jovem criador, ainda que aproveitando o branco das suas barbas e os quilómetros de película que as habita. A história não é simples: Dominic Matei, septuagenário, linguísta estudioso da origem das línguas com trabalho inacabado, é fulminado por um raio em plena Bucareste. Contrariando a morte, Dominic vê-se paradoxalmente regenarado pela carga eléctrica, que lhe devolve uma juventude perdida há muito. Com nova pele e uma face 30 anos mais nova, vem uma hiper-memória que o leva a um novo plano mental e cognitivo. Identificado pela Gestapo e alvo de enorme curiosidade científica pelos planos de Hitler, Dominic exila-se para reencontrar, depois de muita coisa, a mulher perdida na juventude, agora encarnada em Veronica. Esta, por karma também alvo da ira das nuvens, tem um comportamento inverso e entra em estados proto-mediunísticos, recuando todas as noites a uma era cada vez mais antiga e mais próxima da origem da linguagem. Cada noite Veronica, ao contrário de Dominic, envelhece de forma clara, expondo a antítese do romeno. Youth Without Youth é um filme profundamente filosófico, que obriga o espectador a um contínuo trabalho de questionamento dos conteúdos simbólicos das imagens e das personagens. Coppola, através de um trabalho esteticamente evoluído e de um argumento de complexidade máxima, introduz discussões sobre o excesso e a falta memória, sobre as origens da linguagem, sobre o relacionamento humano e as decisões tomadas em virtude de encruzilhadas kármicas, não se esquecendo de abordar determinadas visões possíveis a meio do século sobre um futuro que, a habitantes do planeta atómico, parecia justificadamente diferente do que sabemos ter-se concretizado. Tim Roth, num papel de transparente dualidade, é perfeito, Alexandra Maria Lara é a face da ternura e do terror que Coppola precisava e até o envelhecido Bruno Ganz cumpre, como sempre, o perfil científico-histórico que lhe é exigido. Youth Without Youth é um documento de cinema completo, em forma, conteúdo e estética, assinado, e com substância para permanecer num tempo em que os filmes são mastigados em vigor de reciclagem. O Animatógrafo curva-se, de novo, perante si, senhor Coppola. De novo.

Imprensa da felicidade (ou mais uma afirmação da minha intelectualidade)

Chegaram ontem. O carteiro, simpático, deixou os pacotes debaixo do tapete, por não caberem na caixa do correio. Simpático. Felizmente a senhora da limpeza não se interessa por correspondência estrangeira. Não se viam letras manuscritas, nem selos de longe. Eram apenas um pacote amarelo fininho e um branco mais grosso. Durante anos planeei subscrever dezenas de publicações, revistas, livros, jornais, folhetos e panfletos, pasquins. Chegaram ontem, e até tenho medo de folhear, parvo. A primeira, num pacotinho amarelo com letras de máquina, é a Zoetrope All-Story. Conheci a Zoetrope na internet e apaixonei-me sem a ver. Falámos longamente como adolescentes, descobrimos as taras escondidas, contei-lhe os absurdos que vejo. Chegou ontem, uma capa laranja com a imagem gigante de uns lábios carnudos, ou a imagem carnuda de uns lábios gigantes. A primeira frase, a vermelho, avisa

FRANCIS FORD COPPOLA PRESENTS

E todo eu tremo como que a meter o preservativo ao contrário. Abro, e na primeira página a face de Harmony Korine a rezar para a lente, numa sala de Santa Iria da Azóia com sete televisões, um quadro de uma mulher com cabelo apanhado e um gato gordo, uma cama, muitos candeeiros de eras diferentes e um cadeirão com cara de Thatcher. O cheiro da tinta é arejado mas antigo, e a letra tem um ar sério, de gente grande que não brinca às magazines mas pensa na vida.
De um pacote branco, gordo, duas Grantas. A da frente, orgulhosa mas simples, diz que é a edição número 100 e tem textos de Martin Amis, Doris Lessing, Ian McEwan, Harold Pinter, Salman Rushdie, Mario Vargas Llosa. E de mais outros tantos. Na capa revejo o mote

THE MAGAZINE OF NEW WRITING

e enterneço-me com a ideia da revistinha ter lançado putos para a vida má das letras, e eles terem crescido para serem hoje homenzinhos com assombrações em forma de livros, em casas públicas de má fama de nome livrarias. Atrás, sorridente, a edição especial Best of Young American Novelists, letras borbulhosas em tons de laranja e verde a gritar por atenção. Na lista da contra-capa Jonathan Safran Foer incha, mas a explicação fala em seis anos de leituras compulsivas de um júri que analisou os trabalhos de dezenas de crianças literárias, homens feitos durante o dia, breves imberbes à noite das letras. Cheira a Barnes & Nobles do Soho. Cheira a fraldas, com fotografias de gente magricela e de maçã de adão proeminente a saltar páginas fora. Cheira a viagem de finalistas sem bebedeiras efectivas. Daqui a uns anos. O senhor carteiro deixou debaixo do tapete porque nada cabia na caixa do correio. Tudo grande demais. Os carteiros são homens sábios.

A minha palavra favorita da semana X



Figmento

Dusseldorf: as fotografias







décimo terceiro regresso

Música de domingo VII



Final Fantasy, He Poos Clouds, in He Poos Clouds

Animatógrafo no MusicBox


A vida tem destas coisas. Ponderadas todas as hipóteses, os tipos porreiros do Musicbox decidiram baptizar uma nova iniciativa precisamente como "Animatógrafo". Não, não tem nada a ver aqui com o tasco. Ou até tem. Não tem porque (infelizmente?) não tenho nada a ver com a organização da coisa. Mas até tem porque tem a ver, claro está, com cinema. Ao que reza o press, a coisa prevê a projecção de filmes de animação escolhidos por ilustradores como André Carrilho ou José Fonte Santa. E os dois primeiros são um primor. A começar, já na próxima quarta-feira, o clássico Yellow Submarine, viagem psicadélica com os Beatles por mote. Dia 16, uma peça incontornável do cinema de animação, e raramente visto por estas bandas: Fritz the Cat, 78 minutos de um gato pornográfico, agarrado e com pinta, num documento de 1972 que é um prodígio de liberdade criativa. As sessões são, como já se percebeu, às quartas, pelas 22:30h, com entrada livre, ali para as bandas da R. Nova do Carvalho, ao Cais do Sodré. Absolutamente a não perder, sobretudo o chico-esperto do Fritz. Mais info aqui.

Mulheres levadas da breca VII


Emily Procter

Hora do Monstro II - 1994

IndieLisboa 2008: lançamento

Pela primeira vez, o Animatógrafo tira férias para se dedicar em exclusivo a um festival de cinema. Acontecerá de novo este ano, lá para Outubro, no DocLisboa, mas para já o Indie será a segunda casa do Anim, de 24 de Abril a 4 de Maio. E como lançamento, uma espreitadela à programação, já conhecida. Primeiro que tudo, a abertura sob a responsabilidade de um enorme Wong Kar Wai, com o novo My Blueberry Nights. A estranha Norah Jones (!) tem o papel principal, mas Jude Law ou Natalie Portman também andam por lá, numa história de procura individual do rumo depois de um desgosto amoroso. Depois há muita muita coisa. Nomes grandes? Abel Ferrara, com Go Go Tales, filme de cabaret de Manhattan a piscar o olho a Cassavettes. Mike Leigh, com Happy Go Lucky, que já passou por Berlim e pode ser uma comédia de ar bem fresco na carreira do britânico mais conhecido pelo realismo de lágrima abundante. Harmony Korine, rebelde independente autor de Julien Donkey Boy que traz Mister Lonely, filme delírio com freiras a saltar de aviões sem pára-quedas ou comunidades de sósias que acreditam ser os originais. A fechar estará Ken Loach, a dizer que It's a free world, filme documento sobre a imigração ilegal e o seu papel no mercado de trabalho num país europeu. Em competição internacional, destaque teórico para La France, de Serge Bozon, onde a mulher de um soldado da Primeira Guerra Mundial, quando rejeitada por carta, decide disfarçar-se de homem e ir à procura do marido pelo meio do confronto; Momma's Man, de Azazel Jacobs, que olha para um adulto que regressa ao quarto de infância e não consegue sair, preso às memórias que sabe não poder repetir; A Zona, a primeira longa aguardada de Sandro Aguilar, sobre a descida à "zona" como tentativa de salvação de uma mãe. Em secções apostas, olhos para os heróis independentes, Johnnie To e José Luis Guerin, e para o novo cinema romeno, em fase de enorme expansão. Na área musical atenções para Bananaz, o falado documentário sobre, claro, os Gorilaz, realizado por Ceri Levy, Joy Division, de Grant Gee, Lou Reed's Berlin, de Julien Schnabel, e Patti Smith: Dream of Life, de Steven Sebring. Há também filmes sobre o próprio cinema, filmes para crianças, eventos paralelos, conferências, workshops, o diabo a quatro. O Animatógrafo, como em anos anteriores, fará uma cobertura extensa do evento, com críticas aos filmes vistos e um balanço. Desta feita, o objectivo é ver todos os filmes a competição internacional, e alguns dos referidos noutras secções. O Indie vem aí. Amen.