Casa

Em frente à minha janela, uma criança, integrada naquilo que parece ser um pequeno reformatório numa moradia, chora desesperadamente e grita "quero ir para casa!". Um gato passa do outro lado da rua, e a criança chama-o: "é aqui, é aqui, anda cá". O cansaço assenta.

Roma

A partir de amanhã, durante alguns dias, uma visão do calor perante a história.

Eduardo Prado Coelho

Antes, a expectativa. No momento, o vulto. Quando Eduardo Prado Coelho se aproximou da sala, fez-se um silêncio breve, para logo se ouvir um cumprimento sorridente. Sentava-se, esperava que o buliço da juventude assentasse, folheava um livro despreocupadamente, lançava uma pergunta aberta e surpreendia-se com o silêncio. Cruzava, a custo, a perna e olhava num ângulo raro, entre o tecto e os interlocutores, como que a lembrar-se do momento que, afinal, era presente. Fui aluno de Eduardo Prado Coelho em diversas cadeiras. Nessa altura, após horas a ouvir dissertações construídas do nada, ganhei coragem e entreguei manuscrito. Nunca, por qualquer razão, me respondeu. Em exames, dado o regime totalmente livre dos mesmos, saía para ir comprar livros à agora defunta Livraria Francesa, regressando leve no passo e com um sorriso que o peso dos sacos não faria adivinhar. Entusiasmava-se com as coisas mais ímpares, e falava de telenovelas para, no minuto seguinte, se lembrar de Deleuze, como se tudo estivesse numa mesma realidade ou dimensão. Em conferência que organizei no Centro Nacional de Cultura (com o entusiasmo da falecida Helena Vaz da Silva), para um grupo internacional de jovens, fez questão de se pronunciar em francês, porque não acreditava o seu inglês como possível. Num fim de tarde primaveril, de janelas abertas com vista para o S. Carlos, discorreu sobre comunicação e a Europa com a languidez que o caracterizava, pausado, pensativo, divertido com as próprias palavras. Defendeu o livro e a Cultura até ao limite, promoveu a Portugalidade enquanto conceito e ideia, manteve uma perspectiva aberta e saudável sobre tudo o que o rodeou até ao fim. O Animatógrafo curva-se respeitosa e saudosamente perante a memória de Eduardo Prado Coelho.

Wikipedia

"A alergia é uma resposta exagerada do sistema imunológico a uma substância estranha ao organismo, uma hipersensibilidade imunológica a um estímulo externo específico. Os portadores de alergias são chamados de “atópicos”." :S

Provérbios bizarros (V)

A fome é boa mostarda.

Regresso, antes da partida

De novo a sul, antes de Roma e Londres. Antes do descanso.

Ecos do Porto II

Fim de tarde e das Antas à Boavista é uma boulevard de Miami, sem água. A rua ondula com sentido único, enquanto os carros se dividem pelas opções. Poucos passeiam. Olhando à esquerda o rio anuncia-se pelos vazios de céu, ou por ruas que acabam no ângulo morto do horizonte em Gaia.

Ecos do Porto I

Nove da noite e o trânsito flui. A rotunda da Boavista ignora o edifício contíguo. No Campo Alegre idosos espanhóis entram e saem de hotéis, divertidos. Duas mulheres jovens e sexuais petiscam ao fundo do balcão, entre frases atiradas ao empregado, que se distrai. Em frente um homem, dos seus trinta anos, janta um fino e dois rissóis, antes de se atirar para a Foz. Nas mesas, mulheres assumidas no seu Verão aproveitam o tempo em companhia. Dois empresários, de cabelo puxado atrás e caracóis ao fundo, discutem a pré-época de camisa aberta. O calor é agora brando, e a cidade mergulha num torpor leve que afasta veraneantes das ruas e devolve os edifícios à escuridão.