Sigur Rós reinventam-se

É, verdade seja dita e a avaliar pelo single, um corte com o passado. Os enormes Sigur Rós avisaram terça-feira que em Junho há novo álbum de originais, acabadinho de gravar. E o primeiro single e clip de avanço é Gobbledigook. Na prática, isto é Sigur Rós com cara de Animal Collective. Ou a versão que os Animal Collective nunca conseguiram (ou quiseram) fazer de si. Mais uma vez, os islandeses inovam. Nada disto é boreal. Mas é Sigur Rós (vénia).

A minha palavra favorita da semana XVI


Priapismo

Babelia

Com o tempo, perdi tradições que cheguei a ter. Uma delas foi comprar o El País todos os sábados. Os almoços perdiam-se às quatro da tarde, enquanto a manhã se estendia até perto disso, tudo por culpa de Babelia. Ainda assim, tenho para mim que cumpro a minha parte da tradição sempre que do outro lado da fronteira. Ontem não foi excepção. E o suplemento do diário castelhano recorda-me o porquê de me obrigar a comprar um jornal estrangeiro. Babelia é um bálsamo. Veja-se a edição de ontem. Dedicada de forma profunda à Feira do Livro de Madrid, trabalha os seus destaques longamente. E vejam-se os textos de Enrique Vila-Matas sobre o café de Paris onde Perec escrevia e descrevia o dia-a-dia da capital francesa nos seus mais banais momentos. Veja-se o texto de Juan Cruz sobre a obsessão de Mario Vargas-Llosa em escrever em bibliotecas públicas. Veja-se o texto de Antonio Múñoz Molina sobre postais, e o seu universo, e o Metropolitan Postcard Club de Nova Iorque. Veja-se a análise que Ernesto Ayala-Dip faz da literatura espanhola em 2008. Veja-se a reportagem de Gregorio Belinchón sobre Los olvidados. Guión y documentos., livro que se imagina soberbo sobre Luis Buñuel e o seu projecto mexicano de 1950, erradamente interpretado à época e agora recuperado num trabalho de investigação extensiva de Carmen Peña Ardid e Víctor M. Lahuerta Guillén. Vejam-se os textos sobre Pedro Calapez, com exposição na capital espanhola, ou Marta Wainwright, irmã de Rufus com novo trabalho. Tudo em Babelia flui, como se surgisse sem esforço, como se tudo o que interessasse no mundo fosse aquilo mesmo, naquele momento. E no fundo, contrariamente, Babelia acaba por surgir, a mim, como arma de arremesso: do mundo perfeito, contra a realidade impressa. Também eu gostava de escrever em bibliotecas sem tempo próprio, ou perder-me num velho hotel nova-iorquino por entre milhares de postais, ou desvanecer-me nas imagens de Buñuel, disfarçado de mendigo, nas ruas da Cidade do México. E nada disto está em Espanha mais do que aqui. Apenas o reflexo, semanal, é mais visível. E logo mais feliz e mais triste.

Música de domingo X


Duffy, Mercy, in Rockferry

Barcelona da arte, da cultura, da música, do frikismo


A ida ao "estrangeiro", como se dizia há não muitos anos, traz sempre a sensação da mediocridade local perante o espanto e fascínio do que se passa lá fora. Ainda que tente contrariar esta ideia, e veja-se a inusitada agenda de concertos em Portugal este ano, é quase inevitável que se olhe para o que se faz aqui ao lado, ou ali mais à frente, para não ir mais longe, como algo digno de nota. Vejam-se as exposições nas duas maiores instituições de arte e cultura de Barcelona neste momento. No Macba (Museu de Arte Contemporânea de Barcelona) convivem uma sensaborona colecção fixa com uma temporária sobre Nomeda & Gediminas Urbonas. O casal lituano, que confesso desconhecia por completo, desenvolve trabalho na área dos new media aplicados à arte, com a particularidade de olhar para uma dimensão social da mesma sem tiques de neo-realismo. O resultado, a avaliar pelo que está no MACBA, é um dos movimentos mais interessantes de nova arte que conheço, que tanto se ocupa da produção de som a partir da sombra criada sobre sensores de luz, como da criação de uma consciência real sobre os cinemas desaparecidos de Vilnius. A exposição patente na capital catalã, sob o tom dos dispositivos para a acção, dá uma boa ideia da atitude pro-activa, motivadora e esteticamente comprometida (para o bem) dos novos valores da Europa de Leste. Poucos metros à frente, o CCCB (Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona) dá a ver uma iniciativa sua: "Magnum. 10 Sequências". De uma profunda inteligência, a mostra parte da inversão da comum interpretação do cruzamento do cinema com a fotografia e pediu a dez fotógrafos da agência Magnum para olharem para si e para os filmes que criaram, inconscientemente, as suas fotografias. O resultado é uma exposição brilhante, com uma instalação pensada ao milímetro e no gume do bom gosto, onde se olha, de frente, para as zonas de confronto da imagem fixa com a imagem em movimento (e por vezes a imagem-movimento, se quisermos pensar em Deleuze) e como a segunda pode também ser contaminada pela primeira, transformando fotógrafos em agentes da imagem perturbados por cinema que lhes é anterior. Da parede para o ouvido, a cidade promete um Primavera Sound com dose dupla de Portishead, com Animal Collective e Rufus Wainwright, com Cat Power e The Go!Team e MGMT e Matt Elliott e Okkervil River e Vampire Weekend e dezenas de outros concertos, num festival de dimensão europeia dividido em inúmeros espaços pela cidade. E perante tudo isto, liga-se a televisão e Rodolfo Chikilicuatre destrói o velho do Restelo em cada um de nós, fazendo recordar que também o jardim do Éden tinha maçãs fora de prazo. O representante de Espanha no decadente Festival da Eurovisão (evento que ontem proporcionou momentos de puro delírio), escolhido pelo público, invadiu o país com o chiki chiki, não dando hipótese a qualquer outro produto para o Verão de 2008. O El País de ontem enchia páginas com a discussão em volta do apoio e patrocínio do Instituto Cervantes e da TVE ao personagem bizarro, e na rua não há criança que não saiba a letra da bizarma musical. Antes do dito Festival, a televisão pública mostrou alargado debate sobre Chikilicuatre, com previsões sobre o resultado em Belgrado, os principais concorrentes e directos para a capital sérvia, atirando Rodolfo como a oitava maravilha do continente, desta feita saído, provavelmente, da Chueca. No limite, sendo que o saldo de tudo isto é positivo, há sempre dois lados da mesma moeda, e ambos sorriem.

Sigur Rós: novo single?


Takk... tem três anos. Teve o seu espaço e tempo, e os islandeses Sigur Rós ainda proporcionaram Heima em final de 2007, um documentário esteticamente assombroso que permite a total imersão no universo dos músicos vindos do frio. Agora, Primavera de 2008, os quatro de Reykjavik mostram-nos não só a imagem que se adivinha venha a ser do novo single, mas ainda imagens inéditas do processo de mistura do novo álbum e pedaços da rodagem daquilo que se acredita ser o primeiro vídeo agregado ao mesmo, saídos directamente das últimas duas ou três semanas. Tudo, e mais, para ver no seu widget, aqui. Se eu não ando a imaginar coisas, os senhores parecem, claramente, nus. Acrescente-se que no blog e no MySpace da banda está um aviso para olhos e ouvidos abertos na próxima terça-feira, porque há "important announcement" por volta do meio dia. Venha a nós o vosso reino, assim na terra como no céu. Ámen.

A minha palavra favorita da semana XV


Sardanas

Mulheres levadas da breca X



Ludivine Sagnier

Música de domingo IX



Portishead, The Rip... in Third

A minha palavra favorita da semana XIV


Enfado

Festival Pina Bausch: Cafe Muller

Mulheres levadas da breca IX



Julie-Marie Parmentier

Festival Pina Bausch: Nefés

O óbvio: Pina Bausch é uma criadora incontornável da Cultura do século XX. A alemã mudou por completo a dança contemporânea e o campo da representação ao apresentar uma visão fundida das duas. Adicionalmente, Pina mudou o próprio campo da Cultura, da mesma forma que Fellini, ou Cartier-Bresson, ou Picasso. São personagens charneira da produção cultural de um século que foi a época de todas as rupturas. Dos citados, apenas Pina vive. Os outros jazem cristalizados na memória humana (sobretudo da Europa), Pina mantém a frescura de uma visão particular da vida, que assenta a expressão e comunicação dos seres humanos nos movimentos do corpo e nas imagens que estes podem gerar. De tudo isto se obtém a necessidade de não deixar passar um festival sobre Pina Bausch, em Lisboa. Pina está em Lisboa (e devia ser para nós uma comoção respirar o mesmo ar que ela). O Animatógrafo assegurou, há meses, a presença nos dois espectáculos que não tivemos ainda o privilégio de ver: Nefés e Café Muller. Sobre o último teremos oportunidade de falar depois de sexta-feira, se conseguirmos, tal será a emoção. A pista: são minutos que mudam vidas, e a minha mudou apenas com uma gravação do mesmo. Como nunca esperei ver ao vivo, vou perder-me a olhar para a figura frágil de Pina. Sobre o que não veremos desta feita, é Masurca Fogo, extraordinária visão sobre Lisboa. A criadora passou cá uns tempos a olhar para a nossa cara e criou um espectáculo tão verdadeiro como crítico, que nos atira a "portugalidade" à cara. Ontem, na ressaca do Indie, vimos Nefés, que parte do mesmo princípio acima descrito, mas tendo Istambul por base. Data de 2002 e tem por base a estadia de Pina na Turquia, sobre a mesma declaração de interesses. O resultado é verrinoso. Nefés é assumidamente um trabalho de Pina Bausch: criativamente elevado, visualmente imaculado, com coreografias trabalhadas sobre pedaços da cultura do país e cidade mas que as extravasam para algo muito maior, que envolve o espectador num espanto. A sala do CCB, que a espaços petrificou, viu ontem Pina mostrar também toda a sua veia crítica, homens que tanto bajulam mulheres como as dominam, a ancestralidade no centro da existência quotidiana, uma cidade tanto tradicional como contemporânea, tanto urbana como perdida em visões pastorais do existir. Pelo meio os bailarinos falam com o público (em português), conversam entre si, repetem sequências por serem seduzidos, dançam sob uma torrente de água que surpreendentemente invade o palco vinda de um céu imaginário, fogem do trânsito caótico projectado numa cortina, trabalham o ar ao som de jazz ou música tradicional turca. O olhar de Pina é venenoso e materno, como que afirmando "és assim, é assim que te vejo, és, em algum lugar, em algum momento, assim". E no fim aplaude-se porque ela é assim.

IndieLisboa 2008: balanço

Primeiro que tudo, as desculpas: faltam textos relativos a cinco filmes, três dos quais da Competição Internacional.Porém, nenhum merece enorme menção e também nenhum foi premiado, pelo que a sua crítica não é fundamental. Posto isto, o balanço. Globalmente, este foi um bom Indie. Valeu a pena. Foi brilhante? Não. Mas dificilmente existirá uma edição que nos faça rejubilar. Temos a consciência, ainda assim, que o saldo é muito positivo e o Indie já terá chegado à maioridade. Em termos de organização, na qualidade de mero espectador parece-nos que as coisas estão estabilizadas. E isso é muito bom para um festival com apenas cinco anos, que aprende muito em cada edição. As salas foram desta feita diversas, os filmes mais que muitos, e não se deu conta de problemas, atrasos, anulações ou perturbações, para além das que não é possível prever, e mesmo essas estiveram praticamente ausentes. Também no que diz respeito à visibilidade, o Indie cresceu. A imprensa sobretudo, conferiu larga exposição ao evento, seguindo a competição, discutindo a cinematografia dos homenageados, ajudando a uma visão mais madura de um evento cada vez mais profissional. Em termos de programação, foram mais de 200 filmes, para todos os gostos e feitios, para públicos diversos, afirmando o Indie como iniciativa transversal e atenta não só ao que se faz em termos de cinema independente, mas também aos diferentes interlocutores que o mesmo tem. Onde fica um sabor amargo é, estamos em crer, na qualidade dos filmes a competição internacional, nomeadamente de longas. Por constrangimentos óbvios, o Animatógrafo não teve oportunidade de olhar para curtas-metragens, nem para o IndieJúnior, mas depois de toda a Competição vista fica a ideia de, por um lado, inconsistência no grupo de filmes escolhido, e, por outro, falta de qualidade nos mesmos. Inconsistência porque o mesmo grupo apresentou filmes manifestamente maus -Charly, A Zona, Momma's Man - e filmes uns bons furos acima - Pink, El Asaltante, Wonderfull Town. A todos o mesmo denominador comum: a falta de meios gritante, que obriga a inventar trabalhos quase a partir do nada. Outras características partilhadas são sintomáticas, nomeadamente uma veia documental bem vincada (e o facto de vários dos filmes serem documentários ou pseudo-ficções bem o prova) e uma cinematografia despida, crua, preocupada com realidades sociais contemporâneas mas indo de encontro a histórias particulares para as ilustrar. O júri decidiu premiar o filme tailandês Wonderfull Town (ver texto), escolha da qual discordamos, mas compreendemos. A nós (este plural de modéstia é bonito) pareceu-nos que Pink, do grego Alexander Voulgaris, é um filme mais sólido e sobretudo mais completo. Tendo em conta que a temática deste era mais íntima e mental, compreendemos ainda assim que quem oficialmente escolhe tenha optado por um trabalho diferente. No fim, fica-nos a ideia que cinema independente hoje é significado de documentarismo ou visão documental, de dificuldades de comunicação com o espectador, de procura de tom e estrutura, de imagens felizes por vezes mal utilizadas, de boas ideias com concretizações deficientes, de processo de procura, de crueza e amargura, de preocupação de cariz humanista. O Indie está morto, viva o Indie.

Imagens descritas

Na escola ao lado da capela mortuária ouve-se Eye of the Tiger no recreio, enquanto duas mulheres enlutadas olham as crianças e um gótico passa abstraído.

A minha palavra favorita da semana XIII


Independente

[IndieLisboa08] La France (***)

[Competição Internacional] Avançando na competição (já faltam poucos), chega-se ao filme mais estranho até agora visto. E não estranho pela temática ou pela forma. Estranho porque incompreensível no objectivo. Serge Bozon tem uma carreira bem mais longa como actor do que enquanto realizador. Ainda assim, La France não é a sua primeira longa-metragem, e isso vê-se. Em abstracto, a história tem sumo: uma mulher, Camille, está sozinha em casa com o marido, François, na linha da frente. É tempo da Primeira Guerra Mundial, e Camille recebe cartas do seu amor com frequência, até uma interrupção abrupta. A primeira missiva que surge depois é a da ruptura. "Não me verás novamente, não me procures" escreve François. E Camille, de ar frágil mas profundo, age com o coração: corta o cabelo curto, veste roupas de homem e parte à procura do marido para o cenário de guerra. Até aqui, clap clap clap, parabéns senhor Bozon, boa ideia. Só que a partir do momento em que Camille abandona um lar deserto e mete pés ao caminho, o filme perde-se na floresta. Camille encontra um grupo de desertores e inclui-se no conjunto, e muitos minutos depois temos a sensação que François já não interessa para nada. Ou seja, Bozon perde a energia romântica e lírica inicial para se entreter com um conjunto de homens pouco credíveis como soldados que pensam estar a caminho da Holanda para fugirem à guerra mas, na prática, vagueiam no meio da floresta. Ouvem-se uns sons de canhões ao longe, e a espaços vêem-se meia dúzia de alemães a cavalo que não chegam sequer a criar a sensação de inimigo. No fim, vindo do nada, François aparece no meio da floresta, e regressa a casa com Camille. Que se passou, senhor Bozon? La France parece padecer de um tique comum, por exemplo, em boa parte do cinema português: é um filme que só existe na cabeça do seu realizador. Temos a sensação permanente que aquilo quer dizer alguma coisa, mas não sabemos o quê. Ou melhor, a ideia que o realizador quis mostrar alguma coisa ali, mas não conseguimos identificar. E portanto (parece karma dos filmes a competição este ano) boa ideia, mal aproveitada. E então a pergunta impõe-se: se é assim, porquê as três estrelas? Ora, porque o francês, no meio de todo o simplismo que impõe na tela, tem rasgos geniais de cinema. Sobretudo quando mete as amostras de soldados a cantar uma musiquinha idiota no meio do mato, com instrumentos saídos das sacolas ou mesmo do nada (um piano!). Não são músicas de guerra mas antes de inspiração Monty Python, non sense, que actuam como lanças em África num filme mal esgalhado. Claro que acentuam a ideia que não percebemos sinceramente o que é que Bozon quis fazer, mas são momentos de cinema salvadores, que nos põem um sorriso na cara e pintam os soldados com outra cor. La France é um filme estranho, de difícil captação, mas não é um projecto vazio. Ou pelo menos não parece... (será dos meus olhos?)

[IndieLisboa08] Wonderfull Town (***)

[Competição Internacional] Para o registo: Wonderfull Yown é um filme muito bonito. Mas como não é sobre o mundo da moda, isso não chega. O tailandês Aditya Assarat foi para sul à procura do que restou depois do tsunami e da reconstrução de uma costa devastada, e veio de lá com uma história de amor previsível demasiado focalizada em si mesma. O realizador filma um arquitecto de Banquecoque que é destacado para coordenar a reconstrução de um resort perto de Phuket. Simples, o profissional aloja-se num pequeno hotel da aldeia, onde trabalha uma jovem nascida e criada no lugar. Os noventa minutos seguintes são a história de sedução e namoro envergonhado dos dois, em tom lírico que até resulta até certo momento. Mas Assarat esquece-se do pano de fundo e da premissa de base e olha apenas para os dois personagens e o seu relacionamento, quando podia olhar out of the box e afrontar a reconstrução, as ruínas e as memórias, ou a continuidade de um ambiente que não é urbano mas também está longe do tropical. Apenas em termos de imagem o realizador se lembra de onde está, porque narrativamente o filme é pobre e descentrado. Na prática, o resultado é inconsequente. Admiram-se as paisagens e os momentos sóbrios, mas estes deixam ao espectador o trabalho de pensamento, quando Assarat se entretém com personagens previsíveis e quase planas, e com o desfecho dramático da relação e da não aceitação da mesma no meio. O filme deixa o sabor amargo do desperdício a quem vê, bem filmado, com tom próprio, mas desfocado da sua potencialidade e perdido com questões menores. Louve-se o simplismo da coisa, uma vez que não poucas vezes a mesma atitude redunda em presunção, que não é o caso. Mas precisamente pelo oposto, pela falta de ambição e por se prender demasiado numa história local em vez de um olhar mais global, é que dificilmente será o tailandês a levar o caneco para casa.

[IndieLisboa08] Momma's Man (**)

[Competição Internacional] Ao que parece, a Competição Internacional segue misturando equívocos com clarividência, e continua apostada em testar a paciência ao espectador. Desta feita, o norte-americano Azazel Jacobs mostrou o sonolento Momma's Man, e mais valia ter ficado em casa. Em parte auto-biográfico (!), o filme de Jacobs acompanha Michael, um trintão que decide visitar os pais em Nova Iorque, quando tem mulher e filha na Califórnia. Tudo seria normal se Mike não quisesse ficar em casa dos progenitores, agarrado a livros de banda desenhada, memórias do liceu e letras de músicas da adolescência. Ou seja, a premissa até é interessante. O filme podia ser sobre as dificuldades da vida adulta, sobre uma visão desencantada do presente e utópica sobre o passado, sobre a ligação aos espaços que nos formatam na época dourada da juventude. Podia, mas não é. E isto porque Azazel é incapaz de dar o salto. São 98 minutos em que o espectador se mexe mais na cadeira do que Jacobs no filme, que não vai a lado nenhum. Percebe-se a ideia ao fim dos primeiros cinco, e a partir daí o realizador limita-se a filmar o espaço do quarto, a cara de Mike quando liga à mulher ou mente aos pais, a carta da ex-namorada de liceu, e muito pouco mais. Para ajudar à festa, o personagem principal é limitadíssimo e nada do que faz ou sente tem base emocional, pelo que tudo se converte em gratuito. Jacobs, que filma os próprios pais, perde uma enorme oportunidade de fazer um filme decente, e conclui um documento vazio de ideias e que faz perder o tempo a quem o vê. E as duas estrelas apenas se justificam porque a premissa até era boa.

[IndieLisboa08] Sparrow (*****)

[Herói Independente] Segunda incursão do Animatógrafo no universo do homenageado Johnny To, e o saldo bem mais positivo. Sparrow é o último filme do asiático, e está bem longe dos devaneios de 90. Sob o signo simbólico do "pardal", To constrói um filme simultaneamente sobre carteiristas, mulheres e Hong Kong, em que tudo é medido meticulosamente e a interacção é brilhante. Na prática, Sparrow segue um grupo de quatro carteiristas profissionais, que se vêm envolvidos com uma pequena organização dominada pelo senhor Fu. No meio está uma mulher, presa a este como um pardal numa gaiola, e que recorre aos quatro primeiros para se libertar de alguma forma. Fazendo o filme redondinho, To assume que o próprio senhor Fu era também um carteirista de nomeada e a coisa decide-se num duelo. Tudo no filme é pensado de forma inteligente. As mulheres são filmadas como pardais, fugidias, breves numa cidade urbana que contempla os seus templos com as torres no horizonte. Os carteiristas são filmados como pardais, rápidos e leves na interacção com as vítimas, cómicos quando confrontados com uma situação que lhes escapa. O realizador explora todas as opções de forma subtil, esteticamente sem mácula, e com um sentido de humor directo, a espaços físico, sem exagerar e simplificando todas as acções, conferindo assim um carácter honesto ao filme. A banda sonora é uma excelente ajuda à criação de ambiente, e o pano de fundo, uma Hong Kong cosmopolita e solar, a marca de assinatura de To. O resultado é um filme completo que, não sendo uma obra prima, é uma lição de cinema a todos os níveis. Assim sim, Johnny.

[IndieLisboa08] Pink (*****)

[Competição Internacional] A secção principal do festival deste ano tem dois filmes gregos. O primeiro visto foi Pink, de Alexander Voulgaris. O grego, com 27 anos, não é virgem nestas andanças: este é o seu quarto filme, e data de 2006. E onde outros julgaram captar a languidez da vida e a profundidade da memória, Voulgaris conseguiu. Socorrendo-me da sinopse oficial, "Vassilis Galis tem vinte e poucos anos, vive com o pai e com o irmão e tenta lidar com a enxurrada de emoções inerentes à passagem para a idade adulta. Escreve músicas e sonha com Emily, uma irlandesa por quem se apaixonou numa passagem de ano em Berlim. Um dia conhece uma precoce menina de onze anos, com quem começa a passar a maior parte do tempo. O irmão de Vassilis é uma estrela de cinema que percorre as ruas dando autógrafos a adolescentes, em troca dos seus números de telefone... Enquanto isso o pai de ambos, que também tem uma fixação por mulheres mais jovens, quase não fala, tem medo das palavras". Portanto, narrativamente, em termos de história concreta, o filme é um vazio. E Voulgaris, que o interpreta, ocupa esse vazio consigo mesmo, com a confissão permanente, pelo texto e imagem, da solidão de um adulto que gostava de nunca ter passado de uma criança. E mesmo esse olhar é, ironicamente, o de um adulto, com a maturidade, doçura e melancolia de alguém consciente e não infantilizado. O filme está pejado de boas imagens e de um ambiente confessional claro e transparente, que em momento algum resvala. Mais: não deixa de abordar as razões de uma visão memorial da vida, desde a partida de uma mãe vítima de cancro que decide ver o mundo, até um pai quase mudo que é o protótipo do adulto afectivamente frustrado mas incomunicante com os seus próprios sentimentos. O trabalho de estrutura e realização é pungente, e, no global, Pink afigura-se como um bom candidato ao prémio final.