O António

Voltando à questão da pirataria: ainda me lembro quando ia à FNAC e nem sequer tentava ouvir CDs desconhecidos porque sabia que, se gostasse, não tinha dinheiro para os comprar todos. E assim preferia não saber se eram bons. A internet, e mais concretamente, as redes P2P vieram contribuir decisivamente para a democratização do som, no meu caso particular. Porquê? Porque agora vou à FNAC, gasto 1 ou 2 horas a ouvir CDs (por alto, só alguns segundos de cada faixa) e depois arranjo-os online. Uma vez que encaro a audição de música dentro da estratégia de "banda sonora" (ou seja, consigo ouvir coisas muito diferentes porque as enquadro no momento quotidiano e disposição), estou a enriquecer a minha cabecinha. E mais: se gosto muito de um CD, acabo por comprá-lo. Porque "merece". E porque "mereço" um original. E assim compro hoje mais CDs do que quando não existia P2P. Um exemplo. Antony and the Johnsons. O Antony (António prós amigos) é um gajo porreiro. O CD, "I am a bird now", será possivelmente um dos trabalhos do ano. É simples, tem por lá o Rufus Wainwright (cujo novo "Want Two" tb é dos trabalhos do ano), não é espalhafatoso. Creio que se pode classificar dentro do "new folk", também conhecido como "free folk" ou "freakfolk" ou ainda "new weird America". Ou então metam-no na secção de "songwriters" como o Rufus (mas sem o "low profile gay pride"). Ah: e oiçam.

Com ela na mão

Primeiro que tudo: na passada quinta-feira escrevi um post desenvolvido sobre o governo de Sócrates, oposição, etc.... O blogger comeu-o e perdi o texto, mas fica aqui registado, tinha deixado literatura pascal que por razões técnicas não chegou a ser pública. Assim sendo, fui curar as frustrações a Barcelos. Aproveitando a presença necessária num evento à margem do jogo da Selecção, vi o jogo e fui passear. No regresso, parei numa estação de serviço da A1, como bom condutor. A ida à casa de banho, no entanto, revelou-se-me como marcante. Isto porque o sistema sonoro no espaço não transmitia a MegaFM, nem a Comercial, nem a rádio clube Pombal, mas sim.... missa. Isso mesmo, Avé Maria cheia de graça, o senhor esteja convosco. Dei comigo "com ela na mão" a ser evangelizado. E se quisermos analizar a coisa, parecia um filme de utopia religiosa: um gajo anda no carro e ouve missa, sai à rua e dão-lhe a palavra do senhor. Vai a uma casa de banho pública e missa com ele. Se fosse um argumento, o parágrafo inicial poderia ser:

"Pedro entra na casa de banho para urinar e o sistema sonoro debita rezas. Aleluia, aleluia, ouve-se. Pedro abre a breguilha e olha para a coluna de som pendurada por cima de si, com um ar perseguido. A acção decorre em 2106, e a Terra foi dominada pela religiosidade total, há símbolos em todo o lado, ouve-se missa permanentemente".

Orwell




Ao que parece (e assumo aqui a minha visível ignorância), este senhor foi um extraordinário jornalista, muito mais que escritor. E isto vem a propósito do mais que brilhante artigo de Maria Filomena Mónica no "Público" do último domingo. A minha ideia inicial era apresentar aqui esse mesmo artigo, mas o site do "Público" dá erro na página respectiva (mandei e-mail ao webmaster para corrigir a situação, mas não me ligaram nenhuma). Vai daí, fui à procura das fontes da dita Maria Filomena. Encontrei isto. O que permite ler os livros do homem online ou copiando e imprimindo, sem custos. Como estou agarrado ao "Koba, the Dread" do Martin Amis vou deixar o Orwell a marinar. Mas espreitem, pode ser que isto lhes desperte a atenção. Mas se puderem, leiam é o artigo da Maria Filomena Mónica, que só tem um adjectivo: soberbo. (quem quiser, eu posso facultar em JPEG).

Preparem-se...


A tradição ainda é o que era

"O Vaticano incluiu hoje o "best-seller" mundial "Código Da Vinci", do escritor Dan Brown, na lista das obras literárias a "não ler nem comprar", acusando-a de ser um "castelo de mentiras".

"Não leiam e não adquiram o 'Código Da Vinci'", afirmou o cardeal Tarcisio Bertone aos microfones da Rádio Vaticano, considerando que não se faz um romance "mistificando factos históricos, dizendo mal ou difamando uma personagem histórica que tem o seu prestígio e a sua reputação na história da Igreja e da humanidade".

Bertone, um dos possíveis sucessores de João Paulo II, falava à margem de uma conferência sobre o livro de Dan Brown prevista para amanhã à noite no seu arcebispado em Génova, no norte de Itália.

Para o cardeal, a divulgação do romance entre os jovens é "um facto verdadeiramente doloroso e terrível", lamentando a existência da ideia de que o "livro deve ser lido para compreender toda a dinâmica da história e todas as manipulações que a Igreja cometeu".

Bertone explica que o Vaticano, ao dar-se conta da divulgação do "Código Da Vinci" nas escolas, tomou medidas "para abrir uma reflexão pública" sobre a obra, denunciando, desde já, a operação de "marketing" que envolve o livro e ajuda à divulgação de "um castelo de mentiras".

"Público", 16/03/2005

Sócrates

Pois bem: há muito tempo que o Animatógrafo não via um post sobre política pura e dura. Abstive-me, durante a campanha, de postar porque não tive pachorra, o percurso (e não o resultado) da dita parecia-me demasiado óbvio. Mas chegou a hora. Vamos a isto:
1) - O "conseguimos" de José Sócrates na noite eleitoral foi compreensível, embora ridículo. É óbvio que o homem não estava à espera de ter maioria absoluta. E porquê? Não porque fosse matematicamente ou politicamente impossível, mas porque o seu "mestre", Guterres, não a havia tido. Nem Mário Soares. E por isso não era de esperar, psicologicamente. E porque ninguém previa uma redução da abstenção. E porque ninguém previa que Paulo Portas tivesse um resultado tão mau. O poder confere aos seus protagonistas uma aura institucional curiosa, que não faz prever resultados. Ou seja, todos nos esquecemos que aquele foi o "partido do taxi" e que, só por estar no governo, não conseguiria fugir a essa sina. Os partidos, lá por estarem no governo, não "sobem de escalão". Por esta lógica, o PCP ainda poderá lá chegar. Quando alguém menos esperar.

2) - Hilariante foi ver televisão no dia em que Sócrates foi entregar a composição do governo a Sampaio. Porquê? Porque a surpresa foi tanta que ninguém tinha nada preparado. Ou seja, não havia infografia sobre os ministos, nem peças sobre o seu percurso. Nalguns casos, nem a sua fotografia. SIC e TVI, cinco minutos depois de receberem o fax com o elenco governativo, transmitiam peças sobre a seca ou sobre a festa do toiro, algures no Alentejo. Só muito depois voltaram ao tema, com minuto e meia sobre o ministro das Finanças, e um pouco de Correia de Campos, do qual têm imagens de arquivo do tempo de Guterres. Sócrates ganhou o primeiro round mediático.

3) - A tomada de posse marcou algumas curiosidades. Primeiro, o fim do beija-mão, uma atitude higiénica de acabar com os funcionários públicos gulosos que vão sorrir ao senhor ministro e de evitar ver Margarida Rebelo Pinto no palácio de Belém. Segundo, o discurso de Sampaio, assumidamente vitorioso, muito melhor que o "conseguimos" de Sócrates dia 20. Se tivesse usado só uma palavra, Sampaio teria dito "toma!". Terceiro, ainda que vago, Sócrates deu dois sinais interessantes: o de que não se importa de poupar uns trocos e fazer o referendo no mesmo dia das autárquicas, evitando acusações da esquerda de falta de iniciativa, e o de que não morre de amores por lobbies. A ideia de vender aspirinas no Continente já vem do primeiro governo de Guterres, precisamente com Correia de Campos. Na altura, em virtude da maioria relativa e do excesso de diálogo, ninguém teve coragem para dizer à ANF o que qualquer europeu ou norte-americano considera comum. Sócrates lançou a fagulha, sublinhado que se tratava de "um exemplo" do que pode ser simplificado. Se for um exemplo de muitos, cá estaremos.

4) - Nas reacções de Marques Mendes e Filipe Menezes à tal questão do referendo se vê onde está o PSD de âmbito nacional que faz falta. O que Menezes disse teria dito Santana. O que Marques Mendes disse teria dito Ferreira Leite ou Aguiar Branco, ou Pacheco Pereira. Sou de esquerda, mas a direita merece mais o meio metro de altura de Mendes que o metro e meio de descaramento de Menezes;

5) - O que eu basicamente quero saber é quando é que começam as rescisões na Administração Pública, e o corte de benefícios. Do tempo em que trabalhei num estabelecimento de Ensino Superior de cariz nacional lembro-me bem de quem chegava às 10 e saía às 16:30, em ponto, sem apelo nem agravo. Pior que isso, passavam o dia a queixar-se que tinham muito trabalho quando não faziam ponta de um corno. Exemplo: em determinados serviços administrativos, deixavam acumular-se processos para justificar, em determinada fase, a necessidade de horas extraordinárias, pagas a peso de ouro. Sei perfeitamente que não é assim em todos os sectores do Estado, mas eram bom que os funcionários públicos tivessem um friozinho na barriga, em vez do Rei.

6) - O episódio de Sócrates com as mulheres socialistas é digno de nota. Compreendo a ideia das quotas no Parlamento, apesar de não ser grande adepto conceptualmente da ideia. A forma, muitas vezes, força a alteração da substância, há que reconhecer. Agora fazer um escândalo porque há poucas mulheres no governo parece-me feminista no sentido mais ridículo do termo. Ou seja, protestassem se acham que há incompetentes no governo e que há mulheres que fazem melhor o lugar. Agora protestar porque os ministros não usam saia... Qualquer dia temos as minorias a exigir um ministro do seu "clube". Alguém veio dizer que não há nenhum ministro preto? A razão é muito, muito simples: as mulheres são como os homens, também querem tacho! Pelos vistos os pretos não, honra lhes seja feita;

7) - Estou manifestamente interessado que Santana Lopes regresse à CML. O futuro é certo: vereadores demitem-se, Carmona fica de trombas, e depois das duas uma, ou Santana concorre e é corrido com mais um resultado histórico, ou não concorre e cobre-se com um manto de ridículo difícil de lavar. Qualquer uma das duas garante divertimento a rodos até Outubro. E depois não estou a vê-lo ir "estudar para o Estados Unidos", como Paulo Portas. Quem é que ganha com isto tudo? Nós e Manuel Maria Carrilho, se houver coragem.

É esta




a primeira imagem que aparece quando se pesquisa por "image" no Google. É a derradeira imagem.

Masturbação

Quinta-feira passada, a 2: transmitia, como é hábito, um documentário à hora de jantar. Àquela hora em que toda a gente vê a boca da Manuela Moura Guedes quase a engolir a camera, a 2: tem a mania de transmitir bons documentários. A semana anterior foi dedicada a Hitler, por exemplo. Na quinta-feira era sobre a evolução cultural do sexo do século XVIII ao XX. Não vi tudo, mas apanhei quando o inglês excêntrico que fazia a narração, em estilo Attenborough "pastilhado", afirmava que os cornflakes foram concebidos no século XIX para combater a masturbação. A explicação é simples: a masturbação, como todos sabemos, tinha uma conotação essencialmente negativa durante a época vitoriana. A comunidade científica britânica acreditava piamente que alguns alimentos ainda ajudavam à festa, desenvolvendo a libido dos jovens de forma a potenciar a masturbação. Entre esses alimentos estavam, pasme-se, o fiambre e a manteiga. Vai daí, um senhor designado Dr. Kellogs decidiu inventar um pequeno-almoço que substituísse os alimentos "libidinosos". Surgiram os cornflakes. Mas os primeiros cornflakes eram tão desprovidos de sabor, que a empresa entretanto criada mudou a sua composição, afastou o Dr. Kellogs e inseriu açucar nos flocos, tornando-os tão "libidonoso" quanto o tradicional pequeno-almoço. Agoram digam se esta não é uma história extraordinária? É a tal coisa da realidade suplantar a ficção...

The Eternal Sunshine of the Spotless Mind

Não, este post não é sobre o filme. Já comecei um post com "descobri há muito que tenho problemas mentais". Retomo a ideia. Exemplo? Tenho o péssimo hábito de reparar no que as pessoas à minha frente na fila do hipermercado compram. Não no caso de compras do mês, em que sabe-se mais ou menos, mas naquelas caixas até 15 unidades, ou quando alguém compra apenas 2 ou 3 coisas (acontece-me muito). E depois especulo sobre a sua vida. Domingo passado dois casos curiosos. Primeiro um emigrante de leste: 2 latas de atum de conserva, 1 Sagres de meio litro, 20 carcaças. Conclusão: ia ter com a malta da obra, o atum era para a sandes dele, a cerveja também, as carcaças para os outros (teriam já o panado?). Segundo: um velho dos seus sessentas e tais: um garrafa de vinho, um frasco de Mokambo, um stick de graxa preta. É óbvio: tinha uma noite romântica em casa de uma amiga da "velha guarda". A graxa para os sapatos que se recuperam, o vinho para não dizer que não leva nada, o Mokambo para a ressaca do dia seguinte.