Avaliações depois de almoço

"Portugal subiu dois lugares no ranking anual da competitividade do Fórum Económico Mundial (WEF - World Economic Forum). O 22.º lugar luso além de representar uma subida na classificação que mede os mais competitivos, surpreende por surgir à frente de países como Irlanda, Espanha, França e Bélgica."

Jornal de Notícias, 29 de Setembro 2005

Frases demasiado boas para existirem I

"O homem teria uns trinta anos de idade e parecia condenado pelas camadas de interrogações silenciosas que poisam nos inocentes como lençóis de morte, amorosamente."

Mafalda Ivo Cruz, Vermelho, D. Quixote, pag. 33

Facto histórico indiscutível de sexta-feira à tarde

Ainda bem que não sou lagarto.

Vidas difíceis III

Tarnation *****



Este jovem aqui na imagem é Jonathan Caouette. Ora, para aqueles que pensam que a vida é dura, aqui o Jonathan diz que não. Não, a nossa vida não é dura. A dele é que é. A mãe de Jonathan, em miúda, caiu do telhado de casa dos pais e, ao tocar no chão, não dobrou os joelhos (!). Como ficou com medo de se mexer, e teve um período de recuperação díficil, os paizinhos, avós de Jonathan, não foram de modas: tratamento com choques eléctricos, que a rapariga tinha era fobias. Anos de choques. Resultado: miolos fritos para o resto da vida. Mesmo com miolos fritos, a rapariga conseguiu arranjar um marmanjo e casou-se. Engravidou. O marmanjo, sem saber que ia ser pai, pôs-se na alheta porque a tipa não era boa da carola. E nasceu Jonathan. Como a mãe meia volta tava no hospital psiquiátrico a levar mais um volts na moleirinha, Jonathan foi entregue ao Estado (os avós não queriam saber dele, claro). E como o Estado é um tipo porreiro, vai de o entregar a pais adoptivos ou famílias de acolhimento que mimaram o Jonathan com maus tratos, abusos de toda a ordem, espancamentos, abandono, etc e tal, entre os três e os seis anos, mais coisa menos coisa. A coisa deu pró torto, mas Jonathan conseguiu voltar para casa dos avós (lembraram-se dele, parece). Um dia, em casa da mãe, pediu dois charros a um amigo da progenitora. Chegou a casa e vai disto, fumou os dois de uma empreitada. Azar: estavam embebidos em ácidos da mesma famelga do LCD mas mais fortes. Resultado: danos cerebrais permanentes. O resto são anos de violência, homosexualidade assumida desde os 12 anos, drogas, avós doidos, mãe internada, casa em ruínas. Tarnation, documentário de 2003 que esteve discretamente em Portugal e que o Nimas, em Lisboa, decidiu repor por dois dias (ontem e hoje), é um conjunto de provas sobre a natureza humana. Porque Jonathan foi filmando tudo. Tarnation é uma edição de imagens, vídeos caseiros, fotografias gastas, gravações de cassetes que testemunham uma vida extraordinária. Literalmente, extra-ordinária. O manancial de imagens autoreferenciais que Jonathan Caouette dispunha era simplesmente torrencial. Vai daí, num acto de psico-terapia que mete medo ao susto, revisitou tudo ao longo de 88 minutos de violência extrema em que poucos são os culpados e muitas as vítimas. Jonathan tem hoje 32 anos e vive em Nova Iorque. É actor, é protagonista de Fat Girls, actualmente em fase de pós-produção e realizado por Ash Christian. O Jonathan diz que a vida não é dura. A nossa não.

Vidas difíceis II

Oiçam



Richmond Fontaine, The Fitzgerald

Vidas difíceis I

Catalysts!

Oficialmente, a coisa reza assim: "Um projecto de colaboração que reúne designers de todo o mundo, Catalysts! aborda a relevância e o impacto do design de comunicação na cultura contemporânea. As linguagens visuais do design tornaram-se parte integrante da nossa percepção colectiva. Tanto os trabalhos de designer gráficos profissionais quanto as intervenções amadoras no espaço público remetem para uma enciclopédia visual global comum, difundida através de uma rede de meios interligados em permanente expansão."

Na prática, tirando o jargão institucional do projecto, o que está no Centro Cultural de Belém desde quinta-feira passada é um conjunto de obras, na sua esmadora maioria auto-reflexivas, que tentam fazer pensar um pouco sobre o design de comunicação e a sua interligação com a cultura contemporânea. O espaço de instalação da exposição não é brilhante, provocando um excesso de material e a sensação de "não fuga" que já se sente em termos sociais. Mas o melhor é mesmo o filme de Rob Shröder. Intitulado "PÂNICO MORAL - O cérebro estilhaçado de um viciado em televisão", parte das muitas horas de gravação, ao longo de décadas, que Rob fez. O "viciado" no título significa que Rob viu, durante anos, televisão em três ecrãs simultaneamente e foi gravando tudo o que lhe parecesse chocante, fora do comum, bizarro, importante. O resultado é o melhor de "Catalysts": perto de 60 minutos de imagens montadas a alta velocidade, de Bush a piscar os olhos a crianças a morrer de fome, da picareta a mandar o Muro de Berlim abaixo a Arnold Schwarzenegger nos tempos de Mister Universo, de Michael Jackson a Madonna a simular felatio com uma garrafa de Pepsi. O resto da exposição centra-se no design de comunicação nomeadamente na vertente "publicidade", com toques de crítica social e auto-crítica. O filme de Rob vira o bico ao prego e indexa milhares de imagens que fizeram o século XX (e início de XXI), retirando-as do seu contexto específico e colocando-as entre as suas pares. No fim, a sensação é um "isto somos nós" que é muito amargo...

Facto histórico indiscutível de sexta-feira de manhã

Está dia de terramoto.

Manifesto anti-todos

Só me apetece dizer mal e insultar os e as idiotas que me aparecem à frente hoje. Não é nenhum dia especial, só que há manhãs em que a gaja do café parece armada em parva e tira aquilo com borras. Portanto, aqui vai:

1) - Aquela senhora que vai ali na rua, de óculos de tartaruga e t-shirt a puxar ao sem-abrigo, é tão idiota a estacionar que só dá vontade de apanhar a pedra da calçada que guardo no bolso da camisa e acertar bem no centro da moleirinha, onde os pardais fazem ninho e as serpentes comem ratazanas de Alcântara;

2) - O revisor do comboio tem um bigodinho que parece feito para fazer cócegas às vacas sagradas na avenida principal de Bombaim. Basta chegar-se ao pé do animal, baixar-se e esfregar a acumulação de pelos fracos na coxa do deus cornudo com ar de bife wannabe;

3) - A bancária da CGD na Av. da República, no segundo guichet a contar da entrada, tem unhas de quem não arranha ninguém há quase um ano, nem está interessada;

4) - As putas de Coina, debaixo de cada pinheiro à beira da estrada, são no fundo extra-terrestres de inspiração amish que, por privações horrendas na parte sudoeste do seu planeta, vieram para a Terra fartar-se de fugir aos impostos, obtendo prazeres de carne pendurada a troco de valores sem factura, iludindo assim a fantástica máquina fiscal do distrito de Setúbal;

5) - À porta da padaria na Costa Caparica há um velho a vender alhos que não me merece nenhum comentário específico;

6) - Há dois meses vi uma norte-americana em Brugges que merecia umas pauladas com um ferro cheio de pregos infectados apenas por ter aberto a boca e ter saído antes de mim no autocarro, cujo motorista, aliás, não tinha feito mais do que a sua obrigação se tivesse atropelado violentamente dois paquistaneses que iam a passar com sapatilhas cor de laranja;

7) - O funcionário da Selda que vem aqui entregar a água ao escritório devia ter um letreiro ao pescoço a dizer "fuja, eu cheiro mal, mesmo quando tomo banho", sorrindo simultaneamente e oferecendo pequenos chocolates de limão, que atirava a 20 metros de distância como se estivesse a jogar futebol americano;

8) - O Valentim Loureiro devia ser colocado à porta do Tribunal Militar nos dias de audiência do julgamento da Casa Pia, para que os jornalistas lhe perguntassem o que estava ali a fazer, ao que ele responderia "quantos são?";

9) - Os jogadores do Benfica deviam ser concorrentes de "O Cofre", aceitando que Jorge Gabriel lhes fizesse perguntas sobre as amantes de D. Fernando (que, como toda a gente sabe, era gay). Cada resposta errada corresponderia a passar um fim-de-semana com o Ricardo e o Scolari, em visita a uma quinta de frangos do campo na Bobadela, injectando as aves com aspirinas solúveis e acariciando-as de 12 em 12 minutos;

10) - O espanhol que será o próximo vencedor do Euromilhões devia ser concorrente ao "Esquadrão G" durante 6 meses, numa casa fechada na zona de Portel. As imagens entre as 2 e as 6 da manhã não seriam transmitidas e seguiriam directamente para o e-mule, passando a circular exclusivamente por e-mail, como forma de impulso ao choque tecnológico;

Pronto, já me sinto um pouco melhor.

Sol de fim de Verão



A Woman in the Sun, Edward Hopper, 1961, Oil on canvas, 40 x 60 inches; Whitney Museum of American Art, New York

Dead Air Space

Ora, os caros amigos do "Y" tiveram a gentileza de informar a malta que os amigos Radiohead aderiram à moda blogueira. Ao que parece, os rapazes meteram mão à obra e decidiram voltar a gravar. Um grande "Saravá!" para eles. Contrariamente aos foruns normais de artistas, que se limitam a uns "hoje levantei-me cedo com uma musica na cabeça, isto tá a correr bem", o blog é "state of mind" quase puro. Baptizado como Dead Air Space, até agora é um conjunto de imagens e frases dispersas que reproduz, acredito eu, bastante bem o processo criativo dos rapazes. A última posta é de 23 de Agosto, último dia do conjunto inicial de gravações. Pelo andar da carruagem, agora só deve aparecer algo quando voltarem às gravações. E aqui entra o síndrome de Pavlov: Hail to the Thief é já de 2003, e o novo só deve aparecer em 2006. Lembro-me bem da capa do "Y" quando saiu Hail to the Thief: "Perfeito, outra vez?" Os anteriores haviam alinhado pelo mesmo diapasão (ora aí está uma expressão bonita). E portanto, dos autores de OK Computer e Pablo Honey só se pode esperar mais do mesmo. Para já, Dead Air Space.

Facto histórico indiscutível de sexta-feira

Bill deixou Mónica soprar, Bush deixou Katrina f.... tudo.

Veneza

Como sou um invejoso ressaibiado, e um frustrado inconcebível, ando a chorar por dentro por não estar no Festival de Veneza. Outra vez. Todos os anos é assim, mais com Veneza do que com Cannes ou Berlim. E há anos melhores e piores. Este ano é um martírio, as pessoas ficam a olhar para mim quando leio o jornal no café e as lágrimas caem-me pela cara abaixo como se tivesse morrido o meu namorado e eu fosse gay. Por tudo isso, tenho que partilhar esta inveja corroente. Limito-me a transcrever o (longo) texto de ontem do meu caro amigo e ex-chefe Eurico de Barros, editor de Artes do Diário de Notícias e um dos melhores críticos portugueses de cinema. Ora, conta o Eurico que:

"Na China do início do século XVII, sete espadachins, cada um possuidor de uma espada especial, juntam-se para combater um general corrupto, ao serviço do novo poder manchu, que quer impedir a prática das artes marciais. Este é o ponto de partida do épico Seven Swords, de Tsui Hark, uma superprodução chinesa, coreana e de Hong Kong, que inaugura hoje, fora de competição e em antestreia, a 62.ª edição do Festival de Cinema de Veneza, pondo-o logo desde a abertura sob o signo do cinema asiático.

Marco Müller, director da Mostra de Cinema desde o ano passado, apostou em 2005 numa presença maciça da prolífera e variadíssima cinematografia da Ásia, do presente e do passado (duas retrospectivas), desde logo homenageada pela escolha de Seven Swords como filme de abertura, e pela do mestre da animação japonesa Hayao Miyazaki como homenageado com o Leão de Ouro de Carreira (ver caixa ao lado).

Na Competição, o cinema asiático marca presença com Changhen ge, de Stanley Kwan, e Sympathy for Lady Vengeance, do coreano Park Chan-wook, revelado em Cannes 2004 com o torrencial Oldboy. E Fora de Competição, com Inicial D, da dupla Andy Lau/Alan Mak (Infernal Affairs), a animação Final Fantasy VII, de Tatsuya Nomura, Perhaps Love, de Peter Ho-sun, e Yokai Daisenso, de Takashi Miike, filme de terror baseado num manga.

EM INGLÊS. Mas além da Ásia, também o cinema anglo-saxónico tem forte expressão na Competição este ano, graças a títulos como The Constant Gardener, de Fernando Meirelles, adaptação do livro de John Le Carré, com Ralph Fiennes; The Brothers Grimm, a aventura fantástica de Terry Gilliam, com Matt Damon, Heath Ledger e Monica Bellucci em bruxa má (e não só); Proof, de John Madden, baseado na peça de John Auburn, com Anthony Hopkins e Gwyneth Paltrow; Brokeback Mountain, de Ang Lee, que foi recusado em Cannes e conta a história de dois cowboys homossexuais (Heath Ledger e Jake Gyllenhaal) ao longo de vários anos, desde a década de 60; Mary, a nova provocação de Abel Ferrara, com Juliette Binoche numa actriz obcecada pela figura de Maria Madalena, que interpretou num filme; Good Night and Good Luck, segunda realização de George Clooney, passado durante o mccarthismo, com David Strathairn no papel do famoso jornalista Ed Murrow; ou Romance and Cigarettes, terceiro filme do actor John Turturro, um musical "proletário" com Christopher Walken, James Gandolfini, Kate Winslet e Susan Sarandon.

Portugal tem Espelho Mágico, de Manoel de Oliveira, e O Fatalista, de João Botelho (ver caixa), na corrida ao Leão de Ouro, enquanto que a Itália assegura a sua quota de três filmes, destacando-se La Seconda Notte di Nozze, de Pupi Avati. A França concorre com o novo de Laurent Cantet, Vers le Sud, interpretado por Charlotte Rampling, com Gabrielle, de Patrice Chéreau, com Isabelle Huppert, e Les Amants Réguliers, de Philippe Garrel.

Uma selecção que, como disse Marco Müller na apresentação do festival, "rejeita as velhas divisões entre 'cultura' e 'mercado'", uma ideia extensível a todo o resto da programação da Mostra.

E AINDA... Fora de competição, há muitos pontos de interesse, caso da animação "gótica" Corpse Bride, de Tim Burton e Mike Johnson, com as vozes de Johnny Depp, Christopher Lee e Helena Bonham Carter, entre outros; Elizabethtown, de Cameron Crowe, uma história de amor com Orlando Bloom e Kirsten Dunst; Bubble, de Steven Soderbergh, um policial sem vedetas, passado numa pequena comunidade do Ohio; a superprodução histórica Casanova, de Lasse Hallström, com Heath Ledger e Jeremy Irons, integralmente rodada em Veneza, e que por essa razão terá uma sessão de gala especial; Le Parfum de la Dame en Noir, de Bruno Podalydès, mais uma adaptação de uma aventura do detective Rouletabille, criado por Gaston Leroux; ou o filme "humanitário" em oito episódios All the Invisible Children, cada um protagonizado por uma criança e assinados por nomes tão díspares como Spike Lee, Tony Scott, Emir Kusturica, John Woo ou Ridley Scott.

Mantém-se a secção paralela competitiva Horizontes, "montra das novas tendências do cinema", onde às ficções se foram juntar agora os documentários, e este ano podem ser vistos os novos filmes de realizadores como Werner Herzog (The Wild Blue Yonder), Matthew Barney (Drawing Restraint 9, com ele e a namorada Björk), Jean-Pierre Limosin, Fernando Solanas, Isabel Coixet, ou Paul Morrissey, que assina, a meias com Bernd Böhm, um documentário sobre a top model Veruschka, que entrou em Blow Up.

O director do Festival de Veneza , no seu trabalho de afinação da edição do ano passado, que foi tão boa quanto caótica, decidiu ainda acabar com duas outras secções paralelas, Meia-Noite e Cinema Digital, "diluídas" nas restantes.

Tudo aponta para que Veneza 2005, mesmo com a segurança muito reforçada, possa ser tão um festival tão bom como o de 2004 - e bastante mais "arrumado"."