Persépolis (*****)

Antes de ser um filme, já Persépolis era uma banda desenhada, saída directamente da cabeça de Marjane Satrapi. Mas será, talvez, na tela que a genialidade da iraniana ganha uma enorme respiração e um corpo absolutamente fantástico, pleno de cinema em todas as suas dimensões, perfeito no que se propõe. A história não é simples e está profundamente enraizada na história do próprio Irão, país absorto numa república islâmica contemporânea que se atirou de cabeça para um teocentrismo como fuga do Xá. Marjane, a pequenina Marji, percorre assim todo o filme tanto como personagem como voz verdadeira da verdadeira Marjane. Pelo meio uma criança descobre os Iron Maiden entre o vexame do véu, ou os Abba entre os sorrisos marotos das colegas na última fila das carteiras na escola. Persepolis, enquanto filme, é não só uma abordagem fidedigna e na primeira pessoa à evolução drástica de um país na encruzilhada entre o ocidente e o oriente, mas sobretudo a visão específica sobre o andamento da História e o impacto que a mesma tem em cada um. Marjane, a viver com os pais no Irão ou emigrada na Europa, a dormir na rua em Viena ou escondida num apartamento em Teerão, é um ser completo, profundamente inteligente e porém humano, que não sede ao racionalismo nem olha para si mesma, para trás, com uma luz de desdém ou moral. Antes prefere assumir as dificuldades em lidar com os outros e com o outro criado à sombra de uma sociedade radicalmente matizada por dispositivos de controlo visíveis. De uma ternura desarmante, Persepolis ultrapassa claramente o cinema de animação enquanto estilo e assume-se como uma peça de cinema frontal, humilde nos seus pressupostos e que cumpre tudo o que afirma, de forma cabal e esteticamente sem mácula, num dos grandes motivos para ir ao cinema este ano.

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