Meg Stuart

Tive a felicidade de conseguir ver, há uns anos, "Mazurca Fogo" no CCB. Pina Baush deu-nos a honra de descer ao extremo da Europa e admirar a ideia que tem de nós, dos nossos hábitos, do excesso de açucar no café e das deambulações próprias por quem transporta as colinas às costas em Lisboa. Raras vezes consegui entender o corpo como forma de expressão. A dança sempre me surgiu como a forma de arte de maior lonjura, pelo que as limitações físicas do saco de ossos que carregamos me intrigam ao ponto de atracção/repressão.
Depois de Baush, e no âmbito de uma breve cruzada no DN, tive a felicidade de ver "Pixel", de Rui Horta. Na prática, "pixel" era um contentor fechado plantado no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, onde dois seres se degladiavam com uma tela de premeio, onde eram projectadas imagens em tempo real. O público resumia-se a poucas almas bem-aventuradas e foi talvez o projecto que mais me entusiasmou nos criadores de dança contemporânea portugueses até hoje.

No dia do Sporting-Benfica, deixei o cachecol na loja (não tenho nenhum) e apresentei-me como agente visualizador de "Forgeries, Love and Other Matters". Ou seja, Meg Stuart na Culturgest. Novamente poucos, novamente espaço fechado por uma plateia metálica que se abismava do palco encurralando Stuart e Lachambre. Ao canto, um gajo de ar chinoca limitava-se a mexer os braços em volta de um campo magnético e a sussurar imagens para movimentar sons e provocar os movimentos de Stuart ao longo de um relvado de alcatifa. Lachambre correu nu por sobre uma enorme cicatriz que se alojou na perna, saberá ele quando. E no fim de contas, Stuart assume o corpo em registo verdadeiramente real como proto-objecto de transmissão. Há uma base, mas quase tudo parte do som do momento. Quase todo o som parte do movimento do momento. E como se Marx ainda habitasse na face ligeiramente pornográfica de Stuart, toda a dialéctica do espaço assumiu contornos de história, por quanto a história se faz em salas corrompidas pela ausência e não nas multidões que abandonam as praças. "Ele diz espaço, ela pensa tempo, ele percorre a curva, ela segura a linha, ele lambe a pele, ela aponta que é falsa" (Myriam Van Imschoot). Atenção: vão passar por Gent, na Bélgica, em Março.

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