Ora, Peter Jackson tinha uma tarefa monstruosa depois da trilogia Lord of the Rings: não se afundar. Depois de três filmes que ficam na história do cinema de entretenimento, qualquer coisa que viesse a seguir tinha, obrigatoriamente, que ser mais fraca. Esse era ponto assente. E portanto competia a Jackson apenas uma tarefa: não fazer algo que, à sombra da Terra Média, ficasse para as calendas como a sua evaporação (quiçá na Nova Zelândia, para manter o cenário). Neste ponto, Jackson foi de uma inteligência superior. A escolha de um remake de um filme da década de 30, cuja figura primordial foi banalizada durante as décadas seguintes, assegurava a recuperação óbvia de qualidade e, assim, o bote de salvação. Para mais, Jackson foi sublinhando durante muito tempo que o projecto surgiu em virtude do seu fascínio pelo filme original, que o que queria era recuperar os seus pressupostos originais, etc, etc. Portanto, quando comprei o bilhete para King Kong já sabia ao que ia. A competência de Jackson foi tão evidente em Lord of the Rings que Kong nunca podia ser um falhanço. Seria, na pior das hipóteses, um filme competente. E isso não é para todos. Ora, no fim de contas, King Kong é um filme competente, sim, mas mais do que isso. A ideia de recuperação do ambiente original, por parte de Jackson, é profundamente fiel. É por isso que os primeiros 10, 15 minutos parecem caricaturais, e depois se engrena no registo. A primeira vez que Jack Black abre a boca parece um boneco, à terceira já não. Basicamente Jackson diz "isto é um remake, não se esqueça, mas não é uma cópia". Ou seja, o barbudo fez um verdadeiro remake: não é um duplo, é uma nova visão, que tanto pode ser mais ou menos fiel ao original, mas não um seu pastiche. No caso, King Kong é fiel no que deve ser, no ambiente, na estrutura da história, na ligação entre personagens, na cadência de diálogos ou falta deles. E depois não é fiel no que não deve ser, nos efeitos especiais que transportam o filme para a actualidade, por exemplo. E ainda no meio disto, há surpresas. Adrien Brody, por quem não tenho especial afeição, porta-se muito bem. Jack Black tem um papel à sua medida (para quando algo fora do seu registo?) e não desperdiça. E Naomi Watts é, parece-me, surpreendente. Peter Jackson segura o filme no limite, não o deixando resvalar para a idiotice em momento algum. Tudo é contido onde deve ser. O relacionamento entre o macaco gigante e Ann Darrow não passa de troca de olhares. O estrago de Kong em Nova Iorque é por desorientação e não avidez de destruição, como erradamente a história do cinema tentou impor. Kong não é um oversised gorilla com a mania de matar tudo o que encontra, é apenas um oversised gorilla. E Jackson sempre o soube.
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