Preâmbulo: eu nunca fui grande fan de Woody Allen. Ok, guarda pretoriana, podem atacar. É daquelas coisas que não tem grande explicação, mas creio que o facto do senhor, himself, participar na esmagadora maioria dos seus filmes também não ajuda. Isto porque a personagem irrita-me profundamente e não me consigo concentrar no filme. E, portanto, a coisa complica-se. Mas estou a fazer um esforço para melhorar, a sério que estou. Os últimos já vi quase sem problemas. Ok, fiz umas caretas no início, mas depois passou e a senhora que se virou para trás pensou que era um tique nervoso. Dito isto, é compreensível que o facto de Match Point não conter Woody como actor participante ajudou muito à compra do bilhete. Ali, é o Woody realizador, e o Woody realizador é um gajo porreiro. Ora, vamos dizer isto abertamente: Match Point é um filme muito bom. Não é um filme histórico, nem uma obra prima, mas também não quer ser. Nem podia. Mas é muito bom. E é muito bom porquê? Por várias razões. Ponto número um: Woody enterrou o romantismo. O romantismo, por exemplo, de Hannah and Her Sisters. Woody olhou para o romantismo, achou que já tinha passado o prazo de validade, não quiz arriscar uma intoxicação cinematográfica e enterrou-o. Vivo, ainda por cima, para se aperceber da sua morte à medida em que asfixia. Match Point é profundamente anti-romântico e claramente pragmático. O que é uma lufada de ar fresco, para as urtigas com o romantismo de Nova Iorque no Outono. Ponto número dois: Woody deslocou por completo o seu modus operandi. O filme não se passa em Nova Iorque, mas em Londres. Os actores não são de perfil norte-americano, mas britânico. Não há judeus. Não há grandes famílias neuróticas. Aliás, não há neurose, a não ser na única personagem norte-americana e em alguns momentos. Não há dramas existênciais a partir de pequenos pormenores, há dramas existênciais a partir de grandes questões estruturais. O ambiente não é cool, mas european heavy. Denso. Operático. Aliás, uma das fortunas de Match Point é precisamente uma estrutura operática. Tudo encaixa na dimensão de uma ópera italiana. A banda sonora funciona como alicerce dessa estrutura, que seria impossível de adaptar nas ruas de Nova Iorque. O que se vê é uma Londres distinta sem ser bafienta, rica e opulenta sem ser profusa e VIP. Uma ópera, em que cada um sabe que o seu destino está traçado na partitura e é apenas uma questão de interpretar bem os dramas, sem excessos mas sem reticências, com olhares perdidos no objectivo. Ponto número três: as interpretações são imaculadas, a direcção de actores sem ponta de sangue. Woody é um cirugião. Vai pedindo bisturi, tesoura, compressa, e operando sem uma gota de suor na testa, como médico de carreira que sabe perfeitamente onde cortar e qual o risco. E, no meio de tudo, Woody assenta a história na ideia de sorte. A sorte que faz com que a bola, quando toca na tela, caia de um lado ou de outro da rede, e como essa escolha metafísica dos dois elementos - bola e tela - determina tudo o que pode ser determinado. Em Match Point, Woody Allen ganha com um Ás.
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