Da mudança, da idade, do partir e do chegar

Vê-se este blog e o seu distinto autor (que algumas, quais valquírias desapossadas de voz esganiçada e com distintos pelos no peito, definem como velho ranhoso e desempregado) em maré de mudança. Aos 84 anos, mudo de casa. Acho que já é tempo. É tempo de viver onde a carteira, moça roliça e bem disposta, nos acorda todos os dias às nove da matina porque toca em todas as campaínhas do prédio como se não houvesse amanhã. E lá está, existe, e ela, amanhã, ou seja, no dia seguinte, lá está a tocar como se não houvesse amanhã, o dia seguinte ao seguinte. É tempo de viver onde os vizinhos espreitam por cima do ombro, quando tocam apenas para avisar que a luz da escada está acesa, e que não pode ser, nós não somos sócios da EDP. Mas acima de tudo, aos 84 anos, mudo de espaço. O meu espaço agora não tem limites às quatro da manhã. De férias, entre chegar do fluxo anormal de trabalho e partir para terra da ganza (também conhecida como Amesterdão), nada detém as paredes de se extrapolarem, por entre a tinta, a ganharem contornos ácidos, como se a varanda que não existe queimasse todas as urtigas à sua volta. Na prática, muda a distância ao aeroporto, muda a temperatura dentro de casa (mais ou menos uns 4,8 graus, em Farenheit, uma escala com muito mais estilo que os centígrados), muda o buldog inglês do vizinho do 2.º andar, de tal forma gordo que ladra a si próprio, instigando-se a uma dieta e criando uma esquizofrenia canina de carácter inteiramente e completamente novo para os obstetras de Portimão. Muda a possibilidade de correr todo nu às três da manhã, por acção alheia (antes ainda era provável, agora não). Muda a senhora das couves no mercado, que não o havia antes e agora é poiso concreto aos sábados de manhã, muito por culpa do desconto de nove cêntimos simpaticamente atribuído sem bilhete pelo bigode andante da jovem. Muda a idade, porque ganhei facilmente dez anos à história, sentindo-me agora com uns belos e redondos 74. Muda a paranóia invisível no cerebelo, que agora se reflecte de forma estética em andar pela casa feito parvo sem saber o que fazer primeiro, ou mesmo em momentos sem nada para fazer, simplesmente porque o espaço ainda é estranho. Não muda: o feitio, o clube, a rinite alérgica, a capacidade sexual, a habilidade de condução, a possibilidade de adquirir um Ferrari, a dor no joelho. É possível que mude a velocidade de actualização aqui da tasca, para melhor, ou seja: futuras mães e autoras de babyblogs, EU MUDEI DE CASA. Preparem-se.

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