Zodiac (***)

Antes de Zodiac, David Fincher realizou cinco filmes: Alien3, Se7en, The Game, Fight Club e Panic Room. Colocando Alien3 de fora, por ser um formato já pré-definido e onde a margem de manobra é reduzida, temos três grandes filmes da década de 90, e uma tentativa menos conseguida em 2002. Enquanto Se7en, The Game e Fight Club trouxeram Fincher para uma galeria emergente de realizadores que arriscam na forma e concretização, Panic Room deixou-o num limbo. O novoZodiac mantém precisamente a rota. Fincher assinou de início na linha que afirmava "contínua referência circular de argumento". Veja-se como Se7en partia de uma estrutura relativamente estável para baralhar tudo no fim, metendo moral à mistura e provocando a redundância entre as acções de cada personagem (dentro de aquilo que pensas provoco-te e obrigo-te a mudar dentro daquilo que penso). Em The Game a circularidade é premente desde o primeiro minuto, e a aposta na sombra entre real e ficcional é levada ao último segundo, fazendo de cada lugar de segurança uma plataforma de ilusão prestes a ser destruída. Em Fight Club a circularidade é negativa na relação corpo agredido versus espiritualidade, num loop anti-realista que retira o espaço de crítica ao espectador pela afirmação frontal. Disto já pouco sobrevivia em Panic Room, mais preocupado em definir-se como exercício de estilo em ambiente claustrofóbico do que em definir linhas de argumento fora do comum. E chegados a Zodiac a força inicial parece adormecida. Partindo de um romance de Robert Graysmith, Fincher segue o assassino auto-intitulado Zodiac por mais de 20 anos, e o seu relacionamento com uma força policial com défice de coordenação numa Califórnia já fortemente mediatizada. Graysmith, ele mesmo personagem, surge no filme como cartoonista do San Francisco Chronicle onde ganha uma simpática obsessão pelos crimes e pelo pressuposto autor. Assumem-se, desde já, as forças de Fincher: a capacidade de criação de ambiente, quer por uma banda sonora cuidada, quer por planos a pontuar o filme fora dos diálogos, aéreos, urbanos, pensados num imagem global; a solidez de um argumento encharcado de factos, dados, personagens e cruzamentos de tempos; a direcção de uma matilha de actores que não se sobrepõem. Mas Zodiac falha na organização, sendo completamente partido ao meio, tendo o realizador dado espaço à polícia primeiro e a Graysmith depois. Falha na extensão e na profusão de dados, que tornam um filme de duas horas e meia numa abstracção mental que sabe a quatro. Falha na falta de risco, escolhendo uma história ancorada num dimensão real e com diminuto espaço para a suplantar de alguma forma. Ou seja, Zodiac é um filme sólido, interessante, bem construído, mas falhado, sendo de Fincher. Entretanto, o realizador está já em pós-produção de The Curious Case of Benjamin Button , a partir do livro de F. Scott Fitzgerald. Diz o IMDB que o filme "tells the story of Benjamin Button, a man who starts ageing backwards with bizarre consequences". Seja bem-vindo, senhor Fincher, ao seu mundo.

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