Como sou um invejoso ressaibiado, e um frustrado inconcebível, ando a chorar por dentro por não estar no Festival de Veneza. Outra vez. Todos os anos é assim, mais com Veneza do que com Cannes ou Berlim. E há anos melhores e piores. Este ano é um martírio, as pessoas ficam a olhar para mim quando leio o jornal no café e as lágrimas caem-me pela cara abaixo como se tivesse morrido o meu namorado e eu fosse gay. Por tudo isso, tenho que partilhar esta inveja corroente. Limito-me a transcrever o (longo) texto de ontem do meu caro amigo e ex-chefe Eurico de Barros, editor de Artes do Diário de Notícias e um dos melhores críticos portugueses de cinema. Ora, conta o Eurico que:
"Na China do início do século XVII, sete espadachins, cada um possuidor de uma espada especial, juntam-se para combater um general corrupto, ao serviço do novo poder manchu, que quer impedir a prática das artes marciais. Este é o ponto de partida do épico Seven Swords, de Tsui Hark, uma superprodução chinesa, coreana e de Hong Kong, que inaugura hoje, fora de competição e em antestreia, a 62.ª edição do Festival de Cinema de Veneza, pondo-o logo desde a abertura sob o signo do cinema asiático.
Marco Müller, director da Mostra de Cinema desde o ano passado, apostou em 2005 numa presença maciça da prolífera e variadíssima cinematografia da Ásia, do presente e do passado (duas retrospectivas), desde logo homenageada pela escolha de Seven Swords como filme de abertura, e pela do mestre da animação japonesa Hayao Miyazaki como homenageado com o Leão de Ouro de Carreira (ver caixa ao lado).
Na Competição, o cinema asiático marca presença com Changhen ge, de Stanley Kwan, e Sympathy for Lady Vengeance, do coreano Park Chan-wook, revelado em Cannes 2004 com o torrencial Oldboy. E Fora de Competição, com Inicial D, da dupla Andy Lau/Alan Mak (Infernal Affairs), a animação Final Fantasy VII, de Tatsuya Nomura, Perhaps Love, de Peter Ho-sun, e Yokai Daisenso, de Takashi Miike, filme de terror baseado num manga.
EM INGLÊS. Mas além da Ásia, também o cinema anglo-saxónico tem forte expressão na Competição este ano, graças a títulos como The Constant Gardener, de Fernando Meirelles, adaptação do livro de John Le Carré, com Ralph Fiennes; The Brothers Grimm, a aventura fantástica de Terry Gilliam, com Matt Damon, Heath Ledger e Monica Bellucci em bruxa má (e não só); Proof, de John Madden, baseado na peça de John Auburn, com Anthony Hopkins e Gwyneth Paltrow; Brokeback Mountain, de Ang Lee, que foi recusado em Cannes e conta a história de dois cowboys homossexuais (Heath Ledger e Jake Gyllenhaal) ao longo de vários anos, desde a década de 60; Mary, a nova provocação de Abel Ferrara, com Juliette Binoche numa actriz obcecada pela figura de Maria Madalena, que interpretou num filme; Good Night and Good Luck, segunda realização de George Clooney, passado durante o mccarthismo, com David Strathairn no papel do famoso jornalista Ed Murrow; ou Romance and Cigarettes, terceiro filme do actor John Turturro, um musical "proletário" com Christopher Walken, James Gandolfini, Kate Winslet e Susan Sarandon.
Portugal tem Espelho Mágico, de Manoel de Oliveira, e O Fatalista, de João Botelho (ver caixa), na corrida ao Leão de Ouro, enquanto que a Itália assegura a sua quota de três filmes, destacando-se La Seconda Notte di Nozze, de Pupi Avati. A França concorre com o novo de Laurent Cantet, Vers le Sud, interpretado por Charlotte Rampling, com Gabrielle, de Patrice Chéreau, com Isabelle Huppert, e Les Amants Réguliers, de Philippe Garrel.
Uma selecção que, como disse Marco Müller na apresentação do festival, "rejeita as velhas divisões entre 'cultura' e 'mercado'", uma ideia extensível a todo o resto da programação da Mostra.
E AINDA... Fora de competição, há muitos pontos de interesse, caso da animação "gótica" Corpse Bride, de Tim Burton e Mike Johnson, com as vozes de Johnny Depp, Christopher Lee e Helena Bonham Carter, entre outros; Elizabethtown, de Cameron Crowe, uma história de amor com Orlando Bloom e Kirsten Dunst; Bubble, de Steven Soderbergh, um policial sem vedetas, passado numa pequena comunidade do Ohio; a superprodução histórica Casanova, de Lasse Hallström, com Heath Ledger e Jeremy Irons, integralmente rodada em Veneza, e que por essa razão terá uma sessão de gala especial; Le Parfum de la Dame en Noir, de Bruno Podalydès, mais uma adaptação de uma aventura do detective Rouletabille, criado por Gaston Leroux; ou o filme "humanitário" em oito episódios All the Invisible Children, cada um protagonizado por uma criança e assinados por nomes tão díspares como Spike Lee, Tony Scott, Emir Kusturica, John Woo ou Ridley Scott.
Mantém-se a secção paralela competitiva Horizontes, "montra das novas tendências do cinema", onde às ficções se foram juntar agora os documentários, e este ano podem ser vistos os novos filmes de realizadores como Werner Herzog (The Wild Blue Yonder), Matthew Barney (Drawing Restraint 9, com ele e a namorada Björk), Jean-Pierre Limosin, Fernando Solanas, Isabel Coixet, ou Paul Morrissey, que assina, a meias com Bernd Böhm, um documentário sobre a top model Veruschka, que entrou em Blow Up.
O director do Festival de Veneza , no seu trabalho de afinação da edição do ano passado, que foi tão boa quanto caótica, decidiu ainda acabar com duas outras secções paralelas, Meia-Noite e Cinema Digital, "diluídas" nas restantes.
Tudo aponta para que Veneza 2005, mesmo com a segurança muito reforçada, possa ser tão um festival tão bom como o de 2004 - e bastante mais "arrumado"."
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