Mais uma vez a Culturgest, em Lisboa, teve a amabilidade de projectar os vencedores do Cinanima, festival de cinema de animação que decorreu em Espinho no início do mês. Para quem, como eu, era impossível ir passar uma semana a Espinho ver bonecos (ah, era bom...), ontem foi uma oportunidade de ouro. Mais a mais os bilhetes eram gratuitos e as duas sessões tiveram lugar no Grande Auditório, pelo que não havia desculpas. Ainda assim, na sessão das 17 horas estavam umas 50, 60 pessoas talvez. Número de crianças na sala: 4. É impressionante como os pais, pelo menos os pais da zona de Lisboa, perdem oportunidades destas. Muitos, de certeza absoluta, devem preferir que os meninos e as meninas fiquem em casa a ver a TVI ou então vão ao Colombo fazer tempo, porque está a chover. E depois fala-se à boca cheia da massificação dos media, da invasão da cultura anglo-saxónica, da violência dos desenhos-animados na televisão, da falta de eventos ou oportunidades para estimular os jovens cérebros com algo diferente. Vou repetir: estavam 4 crianças. Eram 17 horas, os bilhetes eram de borla, a sala tem óptimas condições e excelentes acessibilidades, nem chovia àquela hora. E aquela desculpa dos filmes não serem dobrados também não pega: a esmagadora maioria nem tinha falas, apenas som e música. Mas não, as crianças portuguesas não devem precisar disto. Pelo que apenas 4 crianças viram, por exemplo, um pequeno filme feito por outras crianças, de 12 escolas do concelho de Viseu, numa iniciativa de cariz privado mas com o apoio do Ministério da Cultura e da autarquia. O Animatógrafo aplaude todos os paizinhos que ontem levaram os seus petizes para o Colombo a tarde inteira, ou ficaram a dormir em casa enquanto os pequenos viam aquele DVD do Nemo pela décima quarta vez. Parabéns! Assim é que isto anda para a frente! Mas adiante: dos filmes premiados em Espinho que ontem passaram na Culturgest, em duas sessões, sublinho cinco. Primeiro Vent (Melhor Banda Sonora), não tanto pela dita banda sonora mas pelo que faz: brinca com os planos de profundidade e largura, mudando a percepção do espectador do espaço animado. Tem pouco menos de 5 minutos e duas personagens apenas desenhadas a preto, que combatem o vento forte que se faz sentir. Mas primeiro é uma porta que não quer abrir (largura) e depois uma janela que não quer fechar, por onde o espectador está a espreitar sem saber (profundidade). Depois As misteriosas explorações geográficas de Jasper Morello (Menção honrosa na categoria C), 27 minutos de ar gótico e origem australiana. O mundo é de dirigíveis de ferro e computadores que funcionam a vapor e Jasper Morello é um navegador que inicia uma viagem para tentar encontrar a cura para a peste que assola a comunidade. Marcado pelos cenários dantescos e as figuras apenas como mancha preta delineada, o filme cria uma atmosfera pesada mas não violenta, muito em virtude da estilização da imagem. Para fazer brilhar olhos, claramente. Mais curto mas ainda assim não menos substantivo, Overtime (do qual se retirou a imagem acima, prémio Melhor Primeiro Filme) apresenta dezenas de marionetas de ar sapudo que não compreendem a morte do criador e tentam mantê-lo no limite do possível, criando uma imagem triste mas afectuosa simultaneamente. Também com cinco minutos, Maestro (Prémio do Público) aposta na animação 3D pura e dura com um único cenário e uma câmera que roda sobre o mesmo de forma constante e cortada. No centro está um pássaro que é preparado para o grande momento por um braço mecânico que faz tudo, veste, limpa, penteia. Só que o grande momento não é nada do esperado e a surpresa gerou a maior salva de palmas da sala. Por fim, Milch (Grande Prémio Cinanima 2005) mantém uma bizarria constante durante 15 minutos, com personagens no limite da desfiguração e relações no limite da sexualidade. Brilhante trabalho sobre a luz (utilizando imensos planos contra-luz ou de grande contraste interior/exterior), o filme norte-americano pode merecer a distinção maior, mas é no mínimo perturbador e a prova de que o cinema de animação não tem as crianças como público-alvo preferencial. Para o ano, esperemos, há mais.
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