Broken Flowers (****)

Jim Jarmush não é um desconhecido, mas ainda assim o nome não diz nada a muito boa gente. Nascido em 1953 em Akron, Ohio, tem em Dead Man, de 1995, o filme mais emblemático. Depois disso fez Coffee and Cigarettes (aliás, já tinha feito antes muita coisa com este título), que praticamente não conta por se ficar pelo exercício de estilo e ensaio à volta de um tema. E agora, Broken Flowers. Caraças, Broken Flowers! É verdade que aquela onda do "filme norte-americano independente que versa sobre as relações e afectos de forma desconcertante estilo Magnolia" já não é propriamente algo inovador. Há vários e bons exemplos. E também é preciso compreender que, nos dias que correm (expressão que faz pouco sentido para mim nesta data, os dias custam tanto a passar), Bill Murray também já não precisa de provar que é um dos grandes actores que Hollywood desprezou durante anos e que realizadores com dois dedos de testa reabilitaram. Ora, tudo isto faz de Broken Flowers um filme supérfluo? Não. Caramba, não! Jarmush encena a viagem de Don Johnston (Murray), um bem sucedido ex-Don Juan que não precisa de trabalhar e vê a sua vida invadida pela hipótese de ter um filho, desconhecido até então. Em época sabática, Don é quase obrigado pelo vizinho Winston a listar as mulheres que podem ter sido a mãe e ir atrás das suas vidas. Em regime muito literário, Jarmush escreveu Broken Flowers com objectivos muitos precisos. Primeiro, a personagem de Don foi assumidamente escrita para Murray, e isso transparece em todas as imagens, retirando a Murray todo o seu potencial de actor dramático, dir-se-ia, não reagente. Segundo, Jarmush sabe o que quer expor, até onde quer expor, e os meios para que a exposição resulte. Não é por acaso que Don tem Johnston por apelido, o que motiva a confusão fonética idiota por parte de todas as personagens (Don Johnson era o protagonista de Miami Vice, lembram-se?) e, assim, mais uma acha para a fogueira de absurdos. Não é por acaso que cada mulher assenta num estilo definido e perfeitamente enquadrado na realidade social norte-americana, desde a Laura (Sharon Stone) sexualmente pronunciada e ex-mulher de um piloto de Nascar, a Dora (Frances Conroy) agente imobiliária em cuja casa nada está fora do sítio, passando por Penny (Tilda Swinton) símbolo de "white trash" versão metaleira. Jarmush encena a viagem de Don a um passado que não foi o dele para além de uma de muitas relações enquanto jovem. Mais do que revisitar o seu passado, Don precorre o presente das mulheres que fizeram parte fugaz da sua juventude, criando o confronto original base de todo o filme: o presente alheio de quem passou pelo nosso passado. Nada liga Don aquelas mulheres hoje, a não ser a possibilidade imensamente remota de uma delas ter sido mãe e só agora lhe ter revelado, anonimamente. Na cabeça de Don gera-se o absurdo para além do absurdo, porque não sabe se há filho sequer. Tudo é uma hipótese. E tudo atravessado por um tom desencantado com a vida, refém de nada, com um presente oco que se permite em perseguir um fantasma. Claramente, um filme de Natal.

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