The Assassination of Richard Nixon



Reza a história que Richard Nixon não foi assassinado. Bem pelo contrário, morreu a 22 de Abril de 1994 de "massive stroke". E portanto qualquer filme, livro, coreografia ou outro objecto cultural assim intitulado gera na cabecinha de cada um a ideia de ficção. Nada mais errado: "The Assassination of Richard Nixon" parte de factos perfeitamente verídicos. Só não foi bem sucedida. Sam Bicke (Sean Penn) era uma das possíveis interpretações do "sonho americano", na sua versão frustrada. Com graves problemas de adaptação social, vive sozinho, sendo marginalizado pela mulher (Naomi Watts em versão "white trash" sem roulote). Tem um emprego numa loja de material para escritório, como vendedor, mas não compreende porque é que tem que se mentir para vender os produtos. Quer montar um negócio de venda de pneus ambulante. Não é nenhum psicopata, não é politicamente activo (estamos a falar por alturas de Watergate, reparem), não vive numa barraca, não passa fome, não é deficiente mental. Não teve uma infância perturbada por violações ou agressões. Mas tem um problema grave: não é nenhum calhau. E não sendo nenhum calhau, pesa-lhe sobre as costas o "american dream". Sam Bicke é a prova de que aquela ideia que nós, europeus, temos do "american dream" como algo que surge do indivíduo para fora é pura fantasia. Numa sociedade perfeitamente dominada pelo sector privado, a ideia de sucesso individual, sem apoios sociais (e não estou a falar do subsidio de desemprego) é imposta a cada indíviduo que não tenha uma estrutura mental minimamente solidificada. Isto é, uma coisa são os chineses, paquistaneses, mexicanos, russos que vão para Nova Iorque à procura de qualquer coisa para vingar. Outra é uma pequena comunidade que exige que um homem seja bom marido, bom pai, bom profissional, boa pessoa. Que entende que para se ser bom vendedor tem que se ter uma vida familiar convencional. Em Portugal, actualmente, há milhares de desempregados. Por isso, dizer aqui que o desemprego não é um estigma é arriscado. Mas vejamos as diferenças: digam a alguém cá que fulano está desempregado e a reacção que têm é "coitado, a vida está difícil". Ou seja, ninguém o censura, sente-se, quanto muito, pena. Nos EUA, dizer-se que se está "on wellfare" é a mesma coisa que dizer que se é comunista. Os sobrolhos franzem, a voz baixa. Ou seja, a sociedade entente que se se está a receber um apoio do Estado é porque não se quer ou não se tem capacidade para trabalhar. Logo, é um "malandro", um "calão" (assim como a direita portuguesa olha para o Rendimento Mínimo Garantido). Para Sam Bicke, não sendo psicopata, alienado ou politicamente motivado, a realidade é simples: é preciso fazer algo para ser notado. E o que é melhor que assassinar o tipo que manteve milhares de americanos na guerra? "The Assassination of Richard Nixon" é um filme brilhante por tudo isto e porque Sean Penn está brilhante (o homem começa a afirmar-se como um dos grandes actores do novo século). E porque a realização de Niels Mueller é soberba, em tudo. E porque, pasme-se, é o seu primeiro filme. E, terrível terrível: Sam Bicke ensina que qualquer um podia ser o assassino de Richard Nixon.

Oiçam



Efterklang: "Tripper"

O Animatógrafo pergunta II

Porque é que que a imagem de uma mulher sem uma perna é muito mais terrível que a de um homem?

O animatógrafo pergunta

1) - Se o D. José Policarpo é "papável", que é feito da reputação das mulheres deste país? Há uns 2 anos, um padre que foi excomungado da Igreja católica portuguesa dizia aos microfones da já extinta Voxx que 75 a 80 por cento dos padres portugueses eram homosexuais. Começo a pensar que ele não devia ser tão parvo quanto isso...

2) - Se o D. José Policarpo pode fazer a ponte entre os sectores conservador e liberal (!), não é um "meias-tintas"? E se é um "meias-tintas" não devia comprar daquelas brancas com as raquetes?

3) - Se o D. José Policarpo for Papa não é uma despromoção? É que Lisboa já é maior que a cidade do Vaticano, passa a administrar um Estado mais pequeno...

4) - Se o próximo Papa for português, como é que os brasileiros vão entender o que ele diz? Ou vamos ter o Maracanã todo a gritar "oi"?

5) - Se o D. José Policarpo for Papa vai fumar na Capela Sistina? É que os frescos não aguentam Marboro... E depois, quem é que vai recuperar a coisa?

6) - Se o próximo Papa for preto, quantos hipócritas existirão no mundo a dizer que não importa quando, de facto, não gostam do facto?

7) - Se o próximo Papa for do Benfica, ajuda uma cunha ao Espírito Santo? Ou é mesmo preciso comprar putas brasileiras?

7) - Alguém sabe quanto ganha o Papa? E o aumento anual também é indexado à inflação? Quanto é a inflação no Vaticano?

8) - O novo Papa vai dormir na cama onde o outro morreu? Não é um bocadinho estranho? E tem um telefone vermelho para falar com Deus, como na Guerra Fria, ou audiência semanal às quintas, como com o Sampaio?

9) - Os cardeais podem ligar para a Telepizza, se tiverem votação a meio da noite? Ou peperoni é um ingrediente do demo?

Se o novo Papa for português já temos o melhor jogador, o melhor treinador, o melhor Europeu, o melhor padre. Para quando um país melhor?

Oiçam



Khoiba, "Nice Traps"

Million Dollar Baby
Life Aquatic with Steve Zizzou
Sangue e Ouro


Million Dollar Baby: nunca fui grande fã de Clint Eastwood. Como actor o que ainda mais me agradou foram os tempos do Dirty Harry, e mesmo assim era demasiado marcado de forma geracional para me impressionar. Vi "Unforgiven" num cinema mixuruca em Mem Martins, se a memória não me falha, e dei o dinheiro por mal gasto. Vi "Mystic River" e achei que sem Sean Penn e Tim Robins aquilo não tinha ido a lado nenhum. Ou seja, andei a ganhar estômago para entrar na sala e partir para "Million Dollar Baby" com as maiores reservas. A verdade é que o senhor nunca tinha feito filmes verdadeiramente maus. Mas também não chegavam sequer a bons. Eram coisas onde se notava o dedo do realizador, mas que não se demarcavam por nada em especial. "Million Dollar Baby" é, de longe, o melhor de Eastwood realizador. De longe. Foi o seu vigésimo quinto filme enquanto realizador, se o IMDB e as minhas contas não falham. E porquê? Porque é assumidamente old school. E o advérbio aqui tem toda a força. Ou seja, não é uma caricatura, não é um filme a "fingir" ou "estilo old school". É mesmo. Sem demagogias, sem "a fazer de conta que". E porque é que resulta bem? Porque estão pormenores de actualidade que o recuperam das imagens a preto e branco e devolvem-lhe dramatismo. Por exemplo, a realidade do "white trash" nos subúrbios das grandes metrópoles norte-americanas, onde há bairros inteiros de gente a viver em roulotes porque senão perde o direito ao subsídio estatal. Por exemplo, a falta de ligação entre Frankie e a filha, que paira como um fantasma sobre a rudeza aparente da personagem interpretada por Clint. E depois há cenas de boxe aí sim "estilo" Touro Enraivecido, com toda a saliva em grande plano e sem slow motion no upercut. E há pormenores deliciosos, como a repetição de falas, intercalando com a fala da personagem contrária (expediente argumentativo que se perdeu no cinema norte-americano dos EUA, como a velocidade de fala nas comédias ou frases que se completam, afirmando a antítese. Vejam "Some Like it hot" do Bily Wilder e percebem o que eu digo).

Life Aquatic with Steve Zizzou: Wes Anderson nasceu em 1969, já Clint Eastwood era homem de barba rija e pistola no coldre. Tem cinco filmes realizados, escritos e produzidos por si. O primeiro uma curta-metragem de 13 minutos do que viria a ser o segundo. O quarto deu pelo nome de "The Royal Tenenbaums" e tem talvez a melhor interpretação de sempre de Gwyneth Paltrow e Ben Stiler. Na prática, Wes realiza sobre os problemas de relacionamento humano, utilizando um dispositivo de absurdos continuos entre as personagens. Não ao estilo non-sense dos Gato Fedorento (ninguém julga que anda a comer "gelados com a testa"), mas através de radicalizações de estados de alma e definições pessoais que tanto dão para rir como para chorar. "Life Aquatic with Steve Zizzou" retoma a linha, mas com algumas diferenças. Primeiro, a presença de Bill Murray é determinante para caminhar sobre a ténue linha do ambíguo, entre o cómico e o trági-cómico. Segundo, a deslocalização do argumento para um meio alternativo (o aquático) levanta o pé sobre as "neuroses" dos personagens (tanto quanto a depressão é um problema eminentemente urbano) e sublinha os problemas de inter-relacionamento. Ou seja, enquanto anda à procura do tubarão-leopardo, Zizzou não sabe como lidar com um filho que sempre soube que existiu mas nunca quiz ver, nem com uma jornalista grávida com uma dose de agressividade superior à de desejos alimentares. Zizzou é como muitos de nós gostaríamos de ser: barrete vermelho, sem cheta, com uma mulher que organiza tudo e mantém um estilo fabuloso, metido num barco velho à procura de peixes raros para filmar e com um brasileiro de viola na vigia. Como se mais nada tivesse importância. E o problema é que os outros é que são sempre importantes. Wes tem já em pré-produção "The Fantastic Mr Fox", que deverá ver o escuro das salas em 2006.

Sangue e Ouro: falando de cinema do Irão, o primeiro nome que vem à cabeça de muita gente (espero eu) é o de Abbas Kiarostami. Sobretudo por "Através das Oliveiras" e "O sabor da cereja", filmes que marcaram a década de 90 nos círculos europeus e que revelaram uma cinematografia de ambiente árabe, com muito pó. Pois no ainda em exibição "Sangue e Ouro", no cinema King, Kiarostami apenas aparece como argumentista. De facto, "Talaye sorkh" (no original) é realizado por Jafar Panahi, desconhecido entre nós mas experiente no Irão. E Panahi teve a feliz ideia de não fazer mais um filme com pó e burros e casas de argila. "Sangue e Ouro" é a imagem de Teerão. Contrariamente ao que se possa pensar, e ao revés de muitas das capitais de países da zona (Iraque, Paquistão), Teerão é uma cidade extremamente desenvolvida, que tanto apresenta mulheres de véu como jovens executivos. As casas tanto são remotas divisões de betão num beco como opulentas moradias com piano e jacuzzi. Há já alguns anos que me apercebi que o Irão é possivelmente um "case study": mantendo a estrutura de uma sociedade teocrática, conjuga uma ditadura de ferro com algum desenvolvimento e estabilidade. O lobby iraniano nos EUA é enorme (e a sua influência insondável). Em "Sangue e Ouro", Hussein distribui pizzas de mota, contornando o total caos das ruas. Fica retido pela polícia quando tenta fazer uma entrega num prédio onde há uma festa. O divertimento é proibído, vai tudo de cana. Hussein não gosta de ser escorraçado de uma ourivesaria na parte rica da cidade e decide assustar o velho de fato e gravata que atende os clientes internacionais. Pelo meio ainda consegue ouvir conselhos de moral sobre como roubar por esticão. "Sangue e Ouro" é uma imagem excepcional do que separa uma sociedade como a portuguesa das sociedades do Médio Oriente, para além da superfície visível. Vejam.

Vou comprar



E depois explico porquê.

Papa



Os que me conhecem sabem que estou longe de ser católico (e os que não me conhecem passaram a saber). Mais: sou quase ateu (não vou explicar o quase hoje). E portanto não venho aqui falar do espírito santo, nem da tarefa de evangelização, nem do preservativo, nem do aborto. Na foto que vêem acima, o puto do lado direito, em cima, de preto, ia dar em papa. Mal sabia ele que ia dar em papa. Aqui também não sabia que ia ficar sem família aos 14 anos, e que ia andar a fugir a Hitler, e que ia dar em padre. E não sabia que ia levar tiros e sobreviver, e falar com o gajo que o quiz matar depois disso. E também não sabia que ia tentar falar a uma multidão e não ia conseguir, porque o corpo não lhe ia deixar. Aquela criança não sabia nada disso, e é isso que me comove nesta imagem. É uma criança, premontoriamente vestida de preto, com um ar eslavo ou germânico ou soviético de início de século, com uma face branca realçada pela roupa e pela fotografia. Aquela criança, com um certo ar de fome, pediu desculpa pelas atrocidades da Igreja ao longo de séculos. Olhem bem para a cara dela.