De regresso às salas de cinema, depois de longa ausência, o Animatógrafo tem a felicidade de deparar com Das Leben der Anderen, que em português deu "As vidas dos outros". É a estreia na realização de Florian Henckel von Donnersmarck, e foi candidato ao óscar para melhor filme estrangeiro. Na prática, é mais um passo no processo de racionalização do século XX alemão, que teve em "Goodbye Lenine" um excelente motor inicial e que agora calcorreia outros percursos. Desta feita, von Donnersmarck centrou-se na Stasi e no seu laborioso trabalho antes da queda do muro: tudo saber, tudo controlar. O capitão Gerd Wiesler é um oficial altamente credenciado da referida polícia cuja missão é espiar um celebrado escritor, George Dreyman, e a sua esposa, a actriz Christa-Maria Sieland. Wiesler é impiedoso, Dreyman é dúbio, Christa-Maria é refém de um ministro da cultura de ar nojento e práticas a acompanhar. Enquanto Dreyman se apercebe que tem que fazer algo para informar o ocidente da situação a leste, Wiesler deixa-se arrastar para um processo de consciencialização do absurdo, caindo em si numa RDA a desfazer-se. Num belíssimo filme que olha de frente a história recente germânica, von Donnersmarck faz um trabalho impecável, contido, seguro, com planos cortados ao milímetro e um dramatismo no fio da navalha que em momento algum foge das rédeas. O trabalho dos actores, sobretudo de Ulrich Mühe, é fantástico e a imersão numa década de 80 ainda com sintomas de guerra fria, onde a opressão social e cultural imperavam, é conseguida por inteiro. Ainda que a dimensão seja diferente, faltam ao cinema português, por exemplo, documentos que tratem a história recente com a frieza que lhe merece, como este.
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