O ano está morto. Viva o ano

Há um ano, dizia eu que

"Do melhor de 2006 é o fim. Todos os anos são bons desde que tenham um fim. Ou, de forma mais concreta e anglo-saxónica, closure. Muito em breve, o Animatógrafo terá origem de outro local. Muito em breve o Animatógrafo poderá ter outras visões. Muito em breve, tudo poderá ser diferente. Muito em breve posso ter insónias, programadas há anos, que poderão resultar em algo público. Ou púdico. Ou púbico. Muito em breve tudo poderá ser igual, sendo diferente. Muito em breve toda esta brevidade poderá redundar em languidez. Não tenho cancro. Não sou espírita. Não sou de direita. Não vou emigrar. Não vou permanecer. Não me esqueço. Não me fico. Não resisto. O ano está morto. Viva 2023."

Idem, aspas, siga.

Sétimo regresso


A good day to die, Sofa Surfers, directed by Timo Novotny

Sexto regresso

Cresces a ossos. Lento. Intermitente. Reconheces hoje a impressão visual que deixas, e o peso é dos seguidores. O tempo segue-te. Na pausa há que assumir o silêncio, ou a nuance das plantas que, ao crescer, remanescem no sangue. Ou nos ossos. Cresces. O fúnebre da luz anima-te mesmo quando. Ou o prazer da temperatura dos dias quentes. E apenas a recordação breve. Automática. Como se, ou antes.

Mulheres levadas da breca V

Cindy Sherman

Quinto regresso

Museu Colecção Berardo

Meses depois, e a visita. E expectativas que se cumprem. Mas vamos por partes. Neste momento, o CCB expõe um conjunto de obras da colecção de Joe Berardo. Sabemos que o conjunto exposto está longe da totalidade, mas ainda assim ficam algumas ideias. Primeiro que tudo, a de que não existe uma ideia de exposição, antes uma de conjunto ou agrupamento. Dividida por estilos, ou associações de conceitos, ou núcleos, a exposição tem no piso 0 uma série de trabalhos sob a égide "Surrealismo e Mais Além". E é, definitivamente, a pior parte do espólio, tal como está. Com uma única linha condutora - a do figurativo - misturam-se Breton com Pollock, Picasso com Matta ou Warhol. Estão Cesariny e Cruzeiro Seixas, mas misturados com Miró e Ernst. Todos os quadros parecem desamparados, e sobressai claramente a noção de posse mais do que a de colecção. Berardo parece aqui ter as obras, mas não enquadradas num espírito de reflexão sobre si mesmas, ou sobre o movimento. Ter por ter. Excepção feita, aqui, às fotografias de Fernando Lemos (já vistas em Sintra), em sala própria e que se sustentam por si mesmas, sem ligações extra. E nota sublinhadamente negativa para Head, de Jackson Pollock, cujo Expressionismo Abstracto não cabe de forma alguma frente a Picasso ou perto de Miró. O quadro de Pollock é, aliás, um dos trabalhos menores, e nada justifica a sua inserção para além do "querer mostrar" de Berardo. No piso -1, a coisa mantém a mesma linha de rumo, ainda que com surpresas positivas. Em Figura Reinventada, uma sala acolhe The Barn, de Paula Rego, e Oedipus and the Sphinx After Ingres, de Francis Bacon, ao lado de trabalhos desinteressantes de Pierre Klossowski ou Eric Fischl. Em Poder da Cor, guarda-se toda uma sala para Cabrita Reis e mostra-se Frank Stella, ignorando Malevich ou Rothko (terá Berardo algum?). Em Pop & C.ª naturalmente surgem Lichtenstein e Warhol, ao lado de Lourdes Castro (!). E depois algo que justifica a visita a Belém: a secção Autonomia, que, supostamente, tem como linha de partida o facto das artistas expostas serem mulheres (!). Por sorte, o que vem à tona é muito mais do que isso, revelando uma dimensão organizada sob o chapéu da vanguarda ou do risco. É aqui que estão diversos trabalhos de Helena Almeida ou Cindy Sherman. É aqui que se descobre o empenhamento, em finais da década de 70, de Ana Mendieta, ou a frontalidade do real de uma desconhecida (confesso a ignorância) Aino Kannisto. Repare-se que, aqui, todas elas alicerçadas em imagem fotográfica ou vídeo. É aqui também que está devidamente alojado o extraordinário projecto Balkan Barroc, de Pierre Coulibeuf, que só por si compensa a deslocação. Apresentado como instalação, tratam-se de dois filmes e uma fotografia, todos na mesma sala. Os vídeos correm em simultâneo, em paredes diferentes mas na mesma orientação de profundidade, de forma a que um seja pano de fundo deslocado do outro. Em ambos, a figura central de Marina Abramovich, performer de body art nascida em Belgrado. Em imagem de fundo, um loop de menos de um minuto com a jugoslava a ser conduzida num Caddilac, algures na Europa de Leste. No outro, uma longa metragem de uma hora com a biografia ficcionada da mesma, onde concorrem imagens surreais criadas como fantasmas, percorrendo uma vida imaginária de uma artista. O resultado é extraordinário, quer pela liberdade de Marina nas suas pressuposições, quer pelas margens visuais a que tanto ela como Coulibeuf não se reduzem. O filme traça uma vida mental de uma artista potencial, que se exprime pelo corpo e com o corpo, mas não se extingue no mesmo. Ano a ano, o vídeo é uma peça de arte, profundamente pensada e livre, onde se criam imagens na mesma proporção da sua profundidade simbólica. A presença de Abramovich é esmagadora nos mais diversos sentidos, e o projecto de Coulibeuf é uma lança em África numa exposição à deriva, no mar de dinheiro e insanidade de Berardo. Absolutamente a não perder para mentes inquietas.

Eastern Promises (***)

Se olharmos para a filmografia de David Cronenberg, encontramos objectos cinematográficos muito marcantes das três últimas décadas. De Videodrome, em 1983, a A History of Violence, de 2005, passando por The Fly, Naked Lunch, Crash ou eXistenZ, estamos perante um dos realizadores mais criativos do cinema contemporâneo do lado de lá do Atlântico. Temas: muitos, da ligação homem-máquina, à realidade-não realidade, até à violência. E olhando para tudo isto, e para Eastern Promises, é claro que este é um filme menor. Não que seja um filme mau, atenção. Aliás, não se conhece a Cronenberg, para já, tal conceito. Porém, o último trabalho do norte-americano está uns furos bem abaixo até dos dois filmes anteriores que deixaram marcas mais invisíveis do que os que lhe deram nome (ainda que A History of Violence seja brilhante). Sinopse: "Perturbada pela morte de uma jovem que ajudou durante o parto, Anna (Naomi Watts) tenta encontrar a família do recém-nascido a partir do diário da mãe, escrito em russo, único meio para tentar identificá-la e perceber o que lhe aconteceu. Antes de começar a traduzir as páginas, Anna encontra Semyon, proprietário do luxuoso restaurante Trans-Siberian, que promete ajudá-la. Mas Semyon é na verdade o líder de um "gang" russo e quando percebe que o caderno o pode incriminar tenta a todo o custo arrancá-lo a Anna. À medida que revelações explosivas são feitas, e o tio de Anna vai traduzindo o diário, o número de vidas em risco aumenta..." (Cinecartaz Público). Posto isto, parece óbvia a tecla violência como temática de novo eleita pelo realizador. Depois da fase real/não real/irreal, cumprida sobretudo com eXistenZ e Naked Lunch, Cronenberg procura a violência frontal, sem contemplações. A primeira cena de Eastern Promises, aliás, revela-o de forma bem explícita, numa garganta cortada realisticamente, sem a limpeza comum de Hollywood. Mas, e aqui a surpresa, a chama extingue-se ao longo do filme, e o que podia ser um golpe de asa perde-se rapidamente. O argumento é sólido, mas demasiado previsível, e, enorme pormenor, toda a estrutura assenta na performance de Viggo Mortensen, novo actor-fetiche. Sim, o desempenho de Mortensen terá muito possivelmente o Óscar garantido, mas leva o filme às costas, e isso não é comum. Se em A History of Violence o cinema no filme era assegurado por um equilíbrio entre realização, representação e argumento, em Eastern Promisses Cronenberg anula-se perante a presença esmagadora de Mortensen, que canibaliza, assim, todo o filme. O resultado é um filme muito aquém do expectável, que desce a fasquia sobre o realizador e mantém o olhar superior do actor. Não é conhecido novo projecto de Cronenberg, mas assim estamos mal. Aos génios exige-se mais do que a banalidade do gesto.

Eu detesto o Natal (versão final)

Sim, é véspera de Natal e são 22:47, e então??

Sono. Torpor. Espera. Tempo. Fonix.

Eu detesto o Natal (versão equivocada)

"Natal é a capital do estado brasileiro do Rio Grande do Norte, pertencente à Região Metropolitana de Natal, à Microrregião de Natal e à Mesorregião do Leste Potiguar. É conhecida como "Cidade do Sol" por ser uma das cidades com o maior número de dias de sol no Brasil, chegando a aproximadamente trezentos. Também é chamada de "Cidade Presépio" ou "Cidade dos Reis", por causa de seu principal ícone, o Forte dos Reis Magos. Também a chamam de "Capital Espacial do Brasil" devido às operações da primeira base de foguetes da América do Sul, a Barreira do Inferno, em Parnamirim.
O nome do município vem do latim natale e, segundo escritores, seu nome pode ser explicado por duas versões: a primeira refere-se ao dia em que a esquadra penetrou na barra do Rio Potengi; a segunda tem ligação direta com a data da demarcação do sítio primitivo da cidade, realizada por Jerônimo de Albuquerque no dia 25 de dezembro de 1599 (Dia de Natal). É dotada de muitas belezas naturais, atraindo por volta de 2 milhões de turistas ao ano, que procuram, por exemplo, o Carnatal, a maior micareta (bloco de rua) do planeta."

Wikipédia

Quarto regresso

"Não morras já. Imagina tu para quantas pessoas és uma segurança na vida delas? Não falo dos teus familiares. Na dependência possível deles. Falo de todos os que te conhecem e para quem tu és um ponto de referência para a vida continuar. Conhecem-se, vêem-te, estás aí na segurança de nem sequer pensarem em ti. Mas quando morreres, pensam, porque deixam de sentir a tua mão na deles enquanto dormiam. E sentir-se-ão ameaçados pela tua morte à sua vida. Não morras já. Protege com a tua vida a daqueles que te conhecem. E que até possivelmente te detestam".

Vergílio Ferreira

Eu detesto o Natal (versão a estupidez humana potenciada)


Terceiro regresso

Há 30 anos, o país era a redução dos seus compostos. Pouco antes, tudo se sublimava nos actos e, em virtude dixit, o povo era apenas uma memória duradoura de um mito. Há quase 30 anos, o tempo afirmava-se na velocidade quente dos dias, e o que viriam a ser estilhaços comungava alegremente em volta de carne.

Sem piedade

“A polícia angolana matou na segunda-feira à tarde dois actores amadores que rodavam um filme amador em Sambizanga, um dos bairros mais violentos de Luanda. Segundo Radical Ribeiro, assistente de produção, tudo aconteceu num minuto, quando uma patrulha irrompeu no local das filmagens, confundindo a ficção com a realidade.
(...) Os polícias tinham confundido os actores com assaltantes a sério e apenas a intervenção dos outros agentes evitou uma tragédia maior. (...) A polícia também adiantou que o filme devia chamar-se Sem Piedade.”

in Diário de Notícias, 19/12/007

Eu detesto o Natal (versão os mortos recrudescidos)


Anima-dinner 2: balanço


Ora:

1) - Efectivamente, uma gaja boa mexe-se melhor que dois mastronços;

2) - Efectivamente, ainda há Rabeas que valem a pena;

3) - Efectivamente, cumpriram-se directivas e criaram-se outras, pelo que o caminho para a ditadura está apontado;

4) - Efectivamente, ainda há quem tenha tomates para ter uma espada sobre a cabeça e sorria como se estivesse a caminho das virgens eternas;

5) - Efectivamente, o cotão é uma realidade visível à penumbra de Alá.

Em Janeiro, versão 3. Com menos umbigo. Ou não.

Check, please!

Control (****)

À data da morte de Ian Curtis, eu era apenas um recém-nascido. E por isso os Joy Division só me chegaram muitos anos depois, diferidos, quase como mito de uma personagem perdida algures no cinzento de Manchester. Porém, isso de forma alguma diminuiu o interesse no carácter perturbado da voz de "Love will tear us apart". Pelo contrário. E assim, Control surge como documento obrigatório. Surgiria, aliás, de qualquer forma, uma vez que se trata da estreia em motion picture do fotógrafo Anton Corbijn. Control tem, então, duas dimensões marcantes que convivem para um resultado final. Do ponto de vista do argumento, em momento algum se estabelecem equívocos: o filme é um biopic de Ian Curtis e de forma alguma deve ser confundido com uma revisitação dos Joy Division enquanto banda e projecto. E daí decorrem duas horas inteiramente focalizadas em Curtis, com a banda a surgir apenas na medida da sua ligação (íntima) com o vocalista. Para além disso, Ian é sempre apresentado como ser humano complexo e impregnado de problemas (desde uma epilepsia reveladora a uma depressão galopante), e não, como noutros filmes, como alienado. São estados diferentes, e alicerçar o filme derradeiro na primeira é uma manobra de pura inteligência, conferindo quer ao trabalho quer à personagem uma profundidade necessária. Quanto à estética, Corbijn parte para um preto-e-branco pastoso e uma fotografia imaculada, mas que nunca se socorre de técnicas fotográficas estáticas, como muitas vezes acontece com fotógrafos que "dão o salto". A imagem, de Curtis como dos Joy Division como de Manchester, é apurada mas não perdida de si mesma. O filme, enquanto documento de imagem em movimento, agrega-se em volta de uma estética própria mas que, felizmente, não quer ser mais do que é. E aqui Corbijn ganha por completo a aposta e é aprovado com distinção. O resultado de tudo isto é um filme sólido, sedutor na imagem, e coerente no conteúdo. Longe de uma obra-prima, e também porque não almeja sê-lo, é um dos melhores do ano.

Mulheres levadas da breca IV


Meg White, baterista dos White Stripes

segundo regresso

primeiro regresso

entravas

e depois um todo se abate, como pérolas, como finuras de pó, sem torpor
sabes

que em tudo a acção massiva se assinala à entrada do norte, e o mundo

reconhecer
como que comparando casa, peixe, ramos, morte
como tanto que comparando campo, ou a latinidade do sopro, e a amplitude dos comuns

mudo
ausência de cor, ponto

sabes que em tudo, mostra-se a idade dos móveis nas lápides
e o muro sacro santo dos rumores

Eu detesto o Natal (versão capitalista falhada)

Eu detesto o Natal (versão asfixiante)

Eu detesto o Natal (versão pregos Alcobia)

Eu detesto o Natal

E quanto mais o mês avança, mais a coisa piora. Cada cavadela uma minhoca.

I am Jack