Cesariny



Para os que me conhecem há já anos (alguém?), não é surpresa saber que muitas vezes vagueei de livro na mão, à procura de poiso. Sempre me tive como grande amigo meu, e nunca me furtei a tardes ou manhãs abandonado a mim mesmo, fosse a ver cinema chinês num já extinto AC Santos (na Av. da Igreja) ou escondido do sol na sala dos fundos da Benard, cujo fausto afasta quem espreita, sem razão maior. Nessas epopeias urbanas (foi assim que conheci grande parte da cidade, a vaguear) muitas vezes me fiz acompanhar do amigo Mário, como do amigo Zé ou do amigo Vergílio.
Um a um acabaram por falecer, antes de me faltar a coragem para lhes estender a mão e acabar com o mito. O amigo Mário ainda resiste. Nascido em 1923 (tinha 12 anos quando morre um desconhecido Fernando Pessoa) é hoje mais um velho à janela de um prédio de esquina, de camisola interior de alças, longas rugas no pescoço como veios de eléctrico e olhos semi-redondos de tabaco. O amigo Mário conheceu o Breton, um gajo armado ao comuna, que escreveu um manifesto em franciú de croissant (é o melhor). O amigo Mário andava pelo café Gelo numa de cadáver esquisito com o Ohm e o O'neil. O amigo Mário foi antologizado por um tipo de nome Perfecto E. Quadrado, espanhol de clara. O amigo Mário faz-nos o favor de dizer que os outros amigos morreram de suicídio-homícidio, aos berros, enquanto um tipo suspeito filma contra uma parede vermelha. O amigo Mário diz que

conheço a tua voz como os meus dedos
( antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa )
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
e eu o pico Everest

Vejam: http://www.atalantafilmes.pt/2004/autografia/

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