Pois bem: há muito tempo que o Animatógrafo não via um post sobre política pura e dura. Abstive-me, durante a campanha, de postar porque não tive pachorra, o percurso (e não o resultado) da dita parecia-me demasiado óbvio. Mas chegou a hora. Vamos a isto:
1) - O "conseguimos" de José Sócrates na noite eleitoral foi compreensível, embora ridículo. É óbvio que o homem não estava à espera de ter maioria absoluta. E porquê? Não porque fosse matematicamente ou politicamente impossível, mas porque o seu "mestre", Guterres, não a havia tido. Nem Mário Soares. E por isso não era de esperar, psicologicamente. E porque ninguém previa uma redução da abstenção. E porque ninguém previa que Paulo Portas tivesse um resultado tão mau. O poder confere aos seus protagonistas uma aura institucional curiosa, que não faz prever resultados. Ou seja, todos nos esquecemos que aquele foi o "partido do taxi" e que, só por estar no governo, não conseguiria fugir a essa sina. Os partidos, lá por estarem no governo, não "sobem de escalão". Por esta lógica, o PCP ainda poderá lá chegar. Quando alguém menos esperar.
2) - Hilariante foi ver televisão no dia em que Sócrates foi entregar a composição do governo a Sampaio. Porquê? Porque a surpresa foi tanta que ninguém tinha nada preparado. Ou seja, não havia infografia sobre os ministos, nem peças sobre o seu percurso. Nalguns casos, nem a sua fotografia. SIC e TVI, cinco minutos depois de receberem o fax com o elenco governativo, transmitiam peças sobre a seca ou sobre a festa do toiro, algures no Alentejo. Só muito depois voltaram ao tema, com minuto e meia sobre o ministro das Finanças, e um pouco de Correia de Campos, do qual têm imagens de arquivo do tempo de Guterres. Sócrates ganhou o primeiro round mediático.
3) - A tomada de posse marcou algumas curiosidades. Primeiro, o fim do beija-mão, uma atitude higiénica de acabar com os funcionários públicos gulosos que vão sorrir ao senhor ministro e de evitar ver Margarida Rebelo Pinto no palácio de Belém. Segundo, o discurso de Sampaio, assumidamente vitorioso, muito melhor que o "conseguimos" de Sócrates dia 20. Se tivesse usado só uma palavra, Sampaio teria dito "toma!". Terceiro, ainda que vago, Sócrates deu dois sinais interessantes: o de que não se importa de poupar uns trocos e fazer o referendo no mesmo dia das autárquicas, evitando acusações da esquerda de falta de iniciativa, e o de que não morre de amores por lobbies. A ideia de vender aspirinas no Continente já vem do primeiro governo de Guterres, precisamente com Correia de Campos. Na altura, em virtude da maioria relativa e do excesso de diálogo, ninguém teve coragem para dizer à ANF o que qualquer europeu ou norte-americano considera comum. Sócrates lançou a fagulha, sublinhado que se tratava de "um exemplo" do que pode ser simplificado. Se for um exemplo de muitos, cá estaremos.
4) - Nas reacções de Marques Mendes e Filipe Menezes à tal questão do referendo se vê onde está o PSD de âmbito nacional que faz falta. O que Menezes disse teria dito Santana. O que Marques Mendes disse teria dito Ferreira Leite ou Aguiar Branco, ou Pacheco Pereira. Sou de esquerda, mas a direita merece mais o meio metro de altura de Mendes que o metro e meio de descaramento de Menezes;
5) - O que eu basicamente quero saber é quando é que começam as rescisões na Administração Pública, e o corte de benefícios. Do tempo em que trabalhei num estabelecimento de Ensino Superior de cariz nacional lembro-me bem de quem chegava às 10 e saía às 16:30, em ponto, sem apelo nem agravo. Pior que isso, passavam o dia a queixar-se que tinham muito trabalho quando não faziam ponta de um corno. Exemplo: em determinados serviços administrativos, deixavam acumular-se processos para justificar, em determinada fase, a necessidade de horas extraordinárias, pagas a peso de ouro. Sei perfeitamente que não é assim em todos os sectores do Estado, mas eram bom que os funcionários públicos tivessem um friozinho na barriga, em vez do Rei.
6) - O episódio de Sócrates com as mulheres socialistas é digno de nota. Compreendo a ideia das quotas no Parlamento, apesar de não ser grande adepto conceptualmente da ideia. A forma, muitas vezes, força a alteração da substância, há que reconhecer. Agora fazer um escândalo porque há poucas mulheres no governo parece-me feminista no sentido mais ridículo do termo. Ou seja, protestassem se acham que há incompetentes no governo e que há mulheres que fazem melhor o lugar. Agora protestar porque os ministros não usam saia... Qualquer dia temos as minorias a exigir um ministro do seu "clube". Alguém veio dizer que não há nenhum ministro preto? A razão é muito, muito simples: as mulheres são como os homens, também querem tacho! Pelos vistos os pretos não, honra lhes seja feita;
7) - Estou manifestamente interessado que Santana Lopes regresse à CML. O futuro é certo: vereadores demitem-se, Carmona fica de trombas, e depois das duas uma, ou Santana concorre e é corrido com mais um resultado histórico, ou não concorre e cobre-se com um manto de ridículo difícil de lavar. Qualquer uma das duas garante divertimento a rodos até Outubro. E depois não estou a vê-lo ir "estudar para o Estados Unidos", como Paulo Portas. Quem é que ganha com isto tudo? Nós e Manuel Maria Carrilho, se houver coragem.