Day After: notas soltas

@) – Primeiro que tudo, a sensação de alheamento. Claro que pode ser mesmo apenas só sensação, mas das quatro cidades que visitei senti aquilo que em Portugal se designa por “paz social”. Também pode significar “qualidade de vida”. Em Gent, tal como em Bruges e Antuérpia, vi muito poucos idosos, e muitos jovens e crianças. Uma boa parte desloca-se de bicicleta, com um ar de tranquilidade de fazer inveja. Dá ideia que têm uma vida simpática, sem depressões nacionais nem rugas de défice. É óbvio que devem existir problemas, mas no dia-a-dia que observei parace existir uma estabilidade de fazer inveja. Tive a mesma sensação, aliás, quando estive em Hanover, na Alemanha. Será uma questão de cidades de pequena/média dimensão na Europa Central ou sou eu que imagino coisas?

@) – Segundo, a sensação de afastamento. Não deve ser confundida com a anterior, se bem que esteja ligada. Estive uma semana sem televisão, sem jornais, sem rádio. O único média foi a internet, e apenas 5, 7 minutos por dia, no máximo (como o lusco-fusco). E, imagine-se, não senti qualquer falta. Acho que é capaz de ser uma boa definição de cansaço: quando não se sente falta de ligação mediática ao mundo…

@) – Terceiro: a sensação de “cabelos brancos” (é nova esta, inventei agora). Ou seja, a ideia de que, em Portugal, ganhamos cabelos brancos com tudo, a começar na depressão nacional e a acabar no chico-espertismo. Claro que falo por mim. E esta é uma sensação mesmo antes de day-after. Ainda não tinha apanhado avião já estava a ganhar cabelos brancos: dois emigrantes, do tipo “trabalhador das obras”, entraram bêbados no avião e, claro, ficaram exactamente na fila atrás. Os muito simpáticos funcionários da TAP não foram de modas e ajudaram mais um bocadinho, fornecendo latinhas de Sagres aos dois convivas até Lisboa. Na chegada à Portela, o taxista espera que se diga algo para perceber se o passageiro é estrangeiro ou não. Dizia a minha anfitriã, na véspera do regresso, que gosta sempre de voltar. Errr…..

@) – Soube de Londres por boca alheia, ao fim do dia. Durante a jornada nenhum sinal nas ruas de Bruges, ou em qualquer conversa. Mesmo depois de ter lido, e já ter visto bastante sobre a questão, ainda hoje tenho dificuldade em compreender o que se passou. A sensação de afastamento provoca destas coisas, uma descolagem do real. Não ouvi “notícia de última hora”, não ouvi comentários, não li o jornal do dia a seguir. Em Lisboa, já só apanhei as reportagens da “ressaca”, entre a identificação dos suicidas e as demonstrações de pesar. Parece que algo escapou. E confesso que o meu primeiro pensamento foi para a Cimeira das Lages, com o cherne a enfeitar a fotografia de família. E o segundo foi para o cherne, e a sua insignificância. E o terceiro voltou à cimeira das Lages… E hoje tudo me parece estranho. Quando leio que morreram quase 60 pessoas, lembro-me do 11 de Setembro. E Londres parece uma brincadeira de adolescentes palestinianos. E logo a seguir a minha cabecinha auto-censura-se por relativizar a morte.

@) – Pelo meio disto, o Luxemburgo ratificou o tratado constitucional (que teve na minha lista para leituras de férias, mas ficou-se por aí). De acordo com diversos líderes (!) europeus, é a prova que o tratado não está assim tão morto quanto isso, ou antes, que o processo europeu de construção política tem uma luz ao fundo do túnel. Se pensarmos bem nisso, e dada a comunidade tuga no pequeníssimo país, somos nós a salvar a Europa! Não consigo comentar sem me rir à gargalhada…

@ - Eu gostava mesmo era de ter vida de estrangeiro em Lisboa…

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