E um dos filmes em que eu depositava maiores expectativas revela-se um fracasso, o que é sempre desagradável. Expectativas porque é irlandês (e eu tenho uma forte costela irish de origens desconhecidas), porque é o primeiro filme de um fotógrafo (o que é sempre interessante), porque segue os Viajantes, comunidade nómada ultra-pobre que vive em roulotes nas zonas industriais degradadas de Dublin. Tudo era potência, e tudo fracassa. O filme é de Perry Ogden, fotógrafo britânico que há cinco anos lançou um trabalho fotográfico sobre esta mesma comunidade. E vai daí, sem experiência cinematográfica, o senhor parte para um filme sobre os mesmos “pony kids” que deram nome ao álbum fotográfico. O resultado é, frontalmente, mau. Primeiro, porque é um falso documentário. E isso raras vezes é bom. Ogden filma Winnie, um dos dez filhos de Rosie, uma miúda perdida que larga a escola e anda por Dublin, à deriva. Nunca assumindo que se trata de um documentário, Ogden prefere filmar em regime ficcional hiper-realista militante. Só que o resultado não é carne nem peixe, e as sandes mistas às vezes têm o fiambre estragado. A convergência entre documentário e ficção, nestes moldes, lembra-me sempre o neo-realismo português, que tentava vender por ficção um conjunto de ideias pré-concebidas sobre o mundo. Os filmes com documentário dentro, penso eu, resultam quando não se preocupam com isso, isto é, quando a parte documental emana do resto. Quando o realizador pensa, à esperto, “pera aí que eu vou tentar mostrar isto através daquilo”, o caldo está entornado. Segundo, Ogden não compreende que um filme não é uma reportagem fotográfica. E isso é a morte do artista. Os longuíssimos 87 minutos do filme têm o mesmíssimo ponto de partida e chegada. Não há qualquer percurso narrativo, apenas um “mostrar” da miséria e pobreza dos travellers. Vemos Winnie a lavar a cabeça numa torneira à beira da estrada, a roubar qualquer coisa numa loja, à pancada com uma colega no recreio da escola antes de ser suspensa. E tudo se resume ao facto de ser uma criança de uma comunidade ultra-deprimida, no sentido social do termo. São tudo faces de um mesmo dado. Ogden parece sempre querer mostrar diversos ângulos de um mesmo problema, todos eles já repisados. E isso é o quê? É fotografia. É foto-reportagem. Não é cinema. Pior ainda, e isto é o que me irrita seriamente, Ogden confunde a forma com a substância. Winnie, por si só, com a sua pobreza e miséria, não é um bom filme. É ele, Ogden, que tem que criar um objecto que aproveite todo o interesse que Winnie pode ter em imagem. Qual vampiro, Ogden devia ter sugado tudo o que pudesse daquelas pessoas e construído um objecto que as revelasse, cumprindo-as. No entanto, limita-se a mostrá-las, numa ideia quase de cinema-verité, apostando numa suposta transparência. É o tipo de filme que se aproveita do facto da maior parte dos espectadores, estou em crer, confundir conteúdo com forma, filme com cinema. Shame on you, Mr. Ogden, shame on you.
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