Há um ano, sensivelmente, escrevi sobre o BES Photo antes da atribuição do prémio. Hoje, porém, sei que Daniel Blaufuks ganhou a edição de 2006. E isso, dir-se-ia, poderia contaminar este texto. Mas especulando livremente afirmo que não, não podia. Porque o trabalho de Blaufuks patente no CCB desde Janeiro é, de muito longe, o melhor. Augusto Alves da Silva tem uma fotografia exposta e, por ali, é o maior equívoco da mostra que fechou as portas ao público a 18 de Março. A fotografia é frontal, de um arco-iris no mar, fotografado por um curioso à frente do fotógrafo, num barco. Mero fait-divers, é uma imagem banal e sem qualquer proposta teórica ou mesmo lúdica, e espanta pela (neologismo) basicalidade. Já Susanne Themlitz tem propostas de maior fôlego, ainda que não totalmente consequentes. Com um conjunto de imagens a atirar para um mundo imaginário habitado por personagens bizarras, a fotógrafa serve-se da camera para simbolização de uma atmosfera de limbo, onde uma mulher e uma criança se movem numa casa abandonada, fazendo pasta de papel e assumindo uma posição de alienação. Ainda que maioritariamente provocado, e assente numa tónica de quantidade, as imagens de Themlitz têm uma preocupação de composição a partir da banalidade, ou seja, existe um olhar estético sobre o bizarro construído. Vasco Araújo é um segundo equívoco a seguir a Alves da Silva. Ainda que não completamente abstraído de conteúdo, o trabalho de Araújo é muitíssimo mais do campo da instalação do que da fotografia. De base pessoana, com um ponto de partida literário, o trabalho exposto tem a fotografia enquanto sidekick, e não como actor principal. Não existe, assim, enunciado teórico qualquer, mas antes uma colagem de estados de espírito e de letra pintados por fotografias. Simpático ao toque e à vista, o trabalho de Araújo parece mais uma experiência adolescente do que uma plataforma de imagem fotográfica. Já no caso de Blaufuks, a coisa é bem diferente. O fotógrafo que ainda esta semana lançou "Sob Céus Estranhos" (de que falarei aqui) parte de uma imagem encontrada num livro de W. G. Sebald tirada em Terezín, campo de concentração na República Checa, pedra de toque do regime nazi antes da queda em 1945. A imagem, de uma sala com porta aberta e arquivos nas estantes, seduziu Blaufuks, que a procurou. A partir daí o artista constrói um conjunto de elementos que são simultaneamente reflexivos e estéticos. Diversas imagens de pessoas em Terezin são mascaradas com um filtro vermelho. Blaufuks encontrou ainda a sua sala de arquivo dentro da imagem de Sebald, trazendo-a à memória colectiva actual, sublinhando o seu estado de suspensão encenada, que permanece. No que estava disposto no CCB especial realce para o filme, documentário realizado por nazis a glorificar Terezin como o campo perfeito, o projecto sublime do regime, em que a encenação assenta em sorrisos mortificados de quem estava permanentemente a morrer. A farsa alemã à data é ainda dantescamente sublinhada por uma voz-off de pretensão divinatória. Blaufuks recupera a estratégia usada nas fotografias: reduz a velocidade das imagens e aplica filtros vermelhos, dando uma profundidade diferente à peça, assumindo a alteração no dispositivo como forma de lhe conferir um carácter apenas localizado no tempo e na história. No fim, o projecto de Bluafuks é isso mesmo: um projecto, substantivo nos conteúdos e nas formas, em busca de algo que nos toca enquanto humanidade e enquanto seres culturais, ou seja, políticos e livres, mesmo que, por vezes, apenas em expectativa (e não desejo). O site do fotógrafo e realizador dispõe de um PDF com as imagens e uma entrevista onde tudo está mais reflectido, a qual se aconselha leitura atenta. Pode encontrar-se em http://www.danielblaufuks.com/bes.pdf.
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