A onda “jovens norte-americanos à deriva e alucinados por não saberem como lidar com a realidade” foi inaugurada, arrisco eu, com “Kids”, de Larry Clark, há já uns anos valentes. Aí, Clark dava largas à sua veia de voyeur e atirava os putos para o campo da deliquência, drogas e sexo sem piedade, num documento a muitos níveis supérfulo. Em Analog Days Mike Ott tem o mesmo ponto de partida mas tenta dar uma volta menos sexual e deliquente à coisa. O que não corre bem. Trinta milhas a norte de Los Angeles, Newhall é igual a tantas outras pequenas vilas nos EUA: parada, deprimente e sem perspectiva de futuro, onde a intolerância racial é promovida pelo congressista a eleições e a juventude trabalha no clube de vídeo local ou anda de bicicleta até aos 30 anos. Tudo é uma deriva, e as grandes universidades estão demasiado longe, dando origem a eternas candidaturas recusadas. Ou seja, no meio disto tudo, o filme já começa cansado: nós já conhecemos aquela realidade. Nada ali é novo, nada ali obriga a pensar mais do que é suposto. Ott não melhora a coisa de forma nenhuma. Em vez de fazer passar ideias por gestos, coloca-as na boca dos miúdos, que parecem bonecos espanhóis a debitar gravações. Em vez de filmar o vazio, filma os miúdos de forma frontal, quase ingénua, com um olhar espertalhão de “ó pra mim a mostrar que estes putos não sabem o que querem”. Não só o fundo de maneio do filme era fraco, como a forma de concretização é desastrada, aposta na piadola ocasional e serve-se de uma banda sonora emprestada para tentar dar ambiente. Sim, como diz no cartaz, há Bloc Party e Clap Your Hands Say Yeah, mas não passam de jingles de radio que tentam mascarar um mau trabalho de argumento e uma ausência de pensamento cinematográfico. O próprio Ott, presente na sessão, parecia mais interessado em ir beber um balde de café para acordar do que seguir a sessão do seu próprio filme. Na origem da Sound Virus Records, mais vale manter-se por lá do que fazer filmes. O filme está em Competição Internacional, mas se ganhar algum prémio, eu pinto os lábios e saio à rua a dizer “kiss me”, e depois aperto o esguicho de água da flor na lapela.