Speed Racer (****)


É inevitável que os irmãos Wachowski fiquem na história do cinema conhecidos e reconhecidos por Matrix. É praticamente impossível ultrapassar o síndrome de Neo, sobretudo tendo em conta o primeiro filme da trilogia. Ainda assim, os Wachowski querem continuar em frente. E Speed Racer, que tínhamos apontado no início do ano como um dos projectos a seguir (ver aqui) é definitivamente um passo em frente. Para quem não sabe, antes de Matrix os irmãos tinham trabalhado, por exemplo, para a Marvel, onde escreveram Ectokid, banda desenhada criada por Clive Barker. E portanto, o fascínio pelo mundo dos comics é antigo, estava patente em, por exemplo, Animatrix, e é o grande mote para o projecto que tenta recuperar a cara dos irmãos depois de um quase desastroso V for Vendetta. O que é facto é que Speed Racer é, antes de mais, a recuperação de uma série de animação dos anos 60, que já de si era uma versão americanizada de Mach GoGoGo, este sim um conceito japonês de manga e anime. E aqui está o primeiro e grande mote para o projecto finalizado em 2008 pelos Wachowski: um trabalho herdeiro directo da estética nipónica clássica. E era precisamente por aqui que a coisa podia falhar redondamente e lançar os irmãos para o campo do "one time hit". Porque de efeitos especiais e criação de dimensões digitais já se sabe que são capazes. Ora, por aqui Speed Racer é um filme totalmente conseguido: é precisamente uma estética japonesa de anime que lhe confere o delírio visual total, no limite do pastiche, que prende o espectador da primeira à última imagem. E mais: toda a componente imagética segue o mesmo prisma de construção dos japoneses, nomeadamente nos pormenores de construcção gradual até um climax que não se pensava possível segundos antes. A imagem é, assim, a esteira fundamental do filme, e torna-se mesmo conteúdo, e não apenas formato do mesmo, obrigado quem vê a dilatar as púpilas e a perceber o filme pelo que o mesmo mostra. E portanto, o que é que os Wachowski tinham que fazer para sustentar a coisa? O que muito bem sabem: seguir os trâmites de construção de narrativa também eles herdeiros da tradição nipónica, isto é, uma trama larga de assuntos numa espinha de simples percepção, que sempre envolve maquinações globais de grandes grupos do lado do mal, face a emergentes actores do bem que são colocados à prova no limite da sua existência. Na prática, trata-se de um enorme jogo de interesses, hiperbolizados, que se joga por actores aparentemente menores mas cujas acções podem ter um impacto fatal. E que essas acções vêem-se, literalmente, na imagem total, na velocidade, na violência extrema, na saturação da cor e da emoção. Este colocar da imagem ao serviço de uma história, esticando a primeira ao limite e fazendo-a veículo de tudo o resto, é todo um mapa de percepção de um filme que, para todos os efeitos, marca o ano. Ainda assim, e também por tudo isto, Speed Racer não é uma obra-prima e dificilmente conseguirá largar o campo dos filmes fantasistas baseados em banda-desenhada, que com enorme dificuldade conseguem ser percebidos de forma mais profunda. Mas enquanto objecto de entretenimento, e sobretudo enquanto proposta de estética alternativa criada dentro de um cinema muitas vezes preocupado com as formas clássicas de criação, o filme dos Wachowski ganha a aposta e pode lançar o cinema de efeitos e de criação de mundos numa esfera diferente da conhecida até aqui.

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