Flash

O nome "Vegar", se pensar bem nisso, vem-me à memória associado a Timor. Foi aí que percebi que existe um jornalista chamado José Vegar, muito por culpa do cerco a que resistiu durante os dias duros antes da Independência (e o Hernâni Carvalho também, lembram-se?), e que o dito Vegar é um gajo porreiro. Depois disso comprei (ou ofereceram-me, já não sei bem) uma antologia de reportagens organizada pelo mesmo Vegar. É um tipo inteligente, o Vegar.

Ontem o Diário de Notícias fez-se acompanhar, como todos os domingos, pela famigerada Notícias Magazine, que consegue fazer conviver nas mesmas páginas alguém tão idiota como a sua directora (não vale a pena citar nomes) como o amigo Vegar. O amigo Vegar é como as primas de Chaves, é muito raro aparecer. Mas quando aparece é de caixão à cova. Numa pequena reportagem rara (creio que nunca ninguém há-de escrever algo sobre o tema), o jornalista descreve como Herberto Helder mandou imprimir manualmente uma edição limitada de "Flash", pequena obra apenas para amigos. Foram 250 exemplares impressos numa bafienta e já extinta tipografia da Baixa Lisboeta, em 1980, por mestres já falecidos.

A peça de Vegar é única por várias razões. Primeiro, porque se trata de um livro mais do que raro, que hoje deve habitar algumas afortunadas bibliotecas (não quero nem pensar que alguma cópia se esconde no baú das traseiras de um alfarrabista cuja designação deriva de alfarrobas). Segundo, porque se trata de um autor raro, bicho anti-social que recusou o Pessoa com um liminar não, fechado no seu casulo algures na rua das Janelas Verdes (pelo menos creio que é por ali). Terceiro, porque terá sido um dos últimos livros trabalhados literalmente à mão em Portugal, por quem veio a falecer sem devido reconhecimento e viu a sua obra ser devastada por novo inquilino que se limitou a deitar no lixo caracteres, chapas e demais material que faria parte do espólio de um museu em qualquer parte do mundo, já para não dizer parte da história da cultura portuguesa. Quarto, porque mergulha numa revista sensaborona de domingo, como um cálice de Porto centenário à espera de ser bebido. Desde "Photomaton e Vox" que vejo em Herberto Helder um dos últimos demiúrgos portugueses, a par de poucos, como Cesariny. Eremita assumido, tem a coragem de fazer o que muitos gostavam: fechar-se na sua concha e criar imagens, quais profecias, atiradas à rua de quando em vez, de forma subtil e editada. O "Flash" de Herberto, manual na sua essência, merece o seu lugar no campo aberto das atitudes que faziam a diferença, fosse à mesa do Café Gelo ou em Paris. Ou num lugar que já não existe.

PS: Se tiverem a coragem de entrar num alfarrabista, perguntem pelo Flash, aqui pelo vosso amigo.

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