‘O primeiro pensamento de Taeko Teramae quando pressentiu o brilho intenso que se adivinhava na janela foi o de uma beleza incomparável. Mas não chegou a comentar essa impressão com ninguém: instantes depois, a estudante de 14 anos que prestava serviço na companhia de telefones viu-se sozinha, num edifício quase completamente destruído e em chamas, rodeada de cadáveres.
”Penso que estive inconsciente durante um longo período. Quando acordei, estava muito escuro e dirigi-me para as escadas. Mas não conseguia descer, porque estava apinhada de corpos. Parecia um pesadelo.” Taeko olhou pela janela e percebeu então que os edifícios em redor tinham sido arrasados e havia chamas por todo o lado. Saltou da janela do primeiro andar para a rua e, como quase todos os sobreviventes, encaminhou-se para o rio mais próximo (Hiroxima foi construída num delta, com sete braços de água distintos).
Quando lá chegou, encontrou um dos seus superiores na companhia de telefones e ficou surpreendida com a sua expressão de horror. “Tens feridas horríveis”, disse-lhe o homem. Ela não sentia nada, nem dor, nem desconforto, nada. Espantosamente, o homem tinha consigo um estojo de primeiros socorros e ligou-lhe a cabeça, estancando o sangue.
Junto à margem do rio, outro encontro, agora com a professora, que a incitou a atravessar o rio a nado. A jovem desmaiou a meio, mas foi salva pela professora, que a levou para o outro lado e voltou para trás, à procura de mais alunos. “Nunca lhe agradeci, ela estava também muito ferida e morreu dias depois. Chamava-se Chiyoko Wakida. Tinha 22 anos”.
Taeko teve mais sorte. Foi transportada para um centro de feridos graves, onde ouviu, dias a fio, os gritos das vítimas, enfraquecendo de hora para hora até ao silêncio da morte. O pai encontrou-a passado uma semana. Levou-a para casa e, quando lhe tiraram as ligaduras, a irmã chamou-lhe “o monstro”. Um dia, quando os pais estavam fora, procurou um espelho. “Foi então que descobri que tinha perdido o olho esquerdo.”
Para quem estava a apenas centenas de metros do hipocentro da explosão, como Taeko, a esperança de vida não ultrapassava alguns anos. Mas ela resistiu. E ainda se lembra de ter pensado nessa manhã soalheira que, se não fosse a guerra, poderia gozar umas belas férias de Verão.’
Público, 06/08/2005, pag. 6 (a partir do Daily Telegraph)
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