Falei de Corpse Bride aqui há uns meses largos, indicando o primeiro trailer e o site, onde já havia, na altura, imensa informação. E como Burton libertou Charlie and the Chocolate Factory também em 2005, a ideia de mais Burton em tão pouco espaço de tempo foi fazendo salivar a minha pequenina cabeça ávida de bom cinema. Vi The Nightmare Before Christmas em 1995, mais coisa menos coisa. O filme não é de Burton, em termos de realização, mas é como se fosse (e muito boa gente pensa que é). E tudo aquilo me ficou, o humor negro, a ideia do Natal perverso, as figuras giacometianas, o ambiente cromático, o ritmo, a banda sonora. Tudo aquilo fez com que cada novo filme de Burton pedisse rápida digestão assim que aparecia nas salas (mesmo desastres como Planet of the Apes). E tudo isto é mau. É mau porque quando comprei o bilhete para ver Corpse Bride a expectativa era tão alta que o tombo podia ser de proporções diluvianas. Mas, oh criaturas do além, mas tudo se desvaneceu na primeira imagem. Porque nunca o senhor Burton podia, com aqueles personagens, fazer cair o mito que gerou à sua volta. Vamos por partes. Se outro mérito não existisse, Corpse Bride convence apenas pelo lado plástico. A animação através de bonecos de silicone (rói-te de inveja, Pamela Anderson) resulta na perfeição, num misto de puppets e técnicas de desenho. Mais: toda a definição de formas das personagens, em regime caricatural, coloca um sorriso lavrado no mais empedernido português. Todo o ambiente negro começa aí, no ângulo fechado do queixo de Maudeline Everglot ou no olhar permanentemente abandonado de Victor Van Dort. Ainda no campo da forma, Burton não se limita a filmar um filme de animação. Antes recorre a planos e imagens que escapam ao comum kids movie, assinalando dois factos: primeiro, o de ser um filme Burton, segundo, o de ser um filme negro. No plano do conteúdo, Burton volta a recorrer ao estratagema da inversão. No reino dos mortos tudo é fantástico, no reino dos vivos tudo é desastre. Entre os mortos alegria, entre os vivos vã tristeza. Victor oscila entre os dois mundos, arrastado involuntariamente de um para outro. E não, Burton não repete a ideia cansada da fuga ao casamento, Victor não foge do casamento vivo para acabar com um casamento morto. Toda a construcção de Corpse Bride assenta no humor negro contínuo, ainda que não previsível em termos de texto. Aliás, muito desse humor passa pelo trabalho com expressões coloquiais anglo-saxónicas e respectivos trocadilhos em contexto de filme. Tal como não há almoços grátis, não há humor fácil em Corpse Bride. O resultado é um misto de significados gráficos com trabalho linguístico, e tudo como se fosse natural assim mesmo, como se não pudesse ser de outra forma. Longe de causar calafrios, o filme transporta o espectador vivo para um universo também ele vivo mas feito de gente morta. E isso não é pouco.
PS: Para os mais curiosos, o Hollywood Reporter dizia em finais de Novembro que o próximo projecto de Burton inclui Jim Carrey. De nome Believe it or not!, parece que o filme, a estrear em 2007, segue a vida de Robert Ripley. Toda a notícia aqui.
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