Vinho e rosas

Eu moro num segundo andar frente. No 2.º direito vive um casal já com certa idade que esteve muitos anos emigrado e voltou há 2 ou 3 anos. Não se ouve uma mosca, nunca os vejo, vizinhos ideais. O 2.º esquerdo está enguiçado. Há muito. Quando eu era puto, viviam lá um casal com um puto da minha idade, ele empresário, ela enfermeira, o puto puto. Há uns 12, 14 anos, mudaram-se para Benavente. A casa ficou fechada, a ganhar pó. O empresário vendeu-a a um sócio, que a manteve fechada durante anos. Há quatro anos, decidiram alugar. Primeiro, apareceram duas brasileiras que andavam (andam?) a atacar. Saíam às seis ou sete da tarde para trabalhar, voltavam às quatro ou cinco da manhã. Cansadas, coitadas, vai de meter a aparelhagem no máximo com música de sertão, Leandro e Leonardo, Mizó e Mizael, Celso Brito e Zé Adriano. Putas românticas, a quem a polícia nunca quis visitar. Três meses depois, uma porta a bater, chapéu de fazendeiro na cabeça, uma mala em cada mão, um elevador a concretizar a fuga antes da renda paga. Silêncio. Duas semanas depois, família brasileira monoparental, uma mãe, duas filhas, uma das quais já mãe (a mais nova, com uns dezasseis anos). Copos a fazer pontaria a paredes, discussão com cheiro a criança às três da matina, mulheres já não apenas à beira de um ataque de nervos. Semanas mais tarde (seis, sete?) uma porta a bater, uma mala em cada mão e uma mochila às costas, um elevador a concretizar a mudança. Silêncio. Três anos e o pó a instalar-se. Bom vizinho. Há cinco meses, tipo novo de cabelo em crista e Seat Ibiza preto com gaja nova de mini-saia e Mercedes topo de gama. Filho do proprietário, fim dos arrendamentos. Oito da matina e ela grita de prazer ou geme como um urso ferido em combate. A vizinha do quinto andar sorri quando se cruza comigo na escada, era sexo de ir ao topo do edifício e voltar. Ele regressava ao fim do dia com prancha de surf, ela tomava banho na linha do eléctrico e usava cintos como saias. Um mês depois e o Mercedes deixa de aparecer, o prédio deixa de ouvir prazer, a vizinha do quinto andar deixa de sorrir junto à caixa do correio. O gajo guarda a prancha de surf. Quarta-feira passada, uma gaja nova, sem carro e de calças, passa a tarde a chorar e a bater à porta, perdida de racionalidade. Quinta, oito da manhã e ela dorme enrolada num cobertor à porta. Não se ouve um pionés para lá da fechadura. Ontem, onze da manhã, encostada à porta, olhar vago de quem espera e não espera que algo aconteça. Dez minutos depois, à porta apenas uma garrafa de vinho e uma rosa vermelha, em pé, apoiada no nectar. Ontem, onze da noite, apenas a porta. (Continua)

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