A estreia do Animatógrafo em território do festival Alkantara fez-se ontem, na capela do Convento das Mónicas, mais concretamente à luz de Paixão segundo João. O projecto, parceria dos Artistas Unidos com Tá Safo, parte do texto do italiano Antonio Tarantino e centra-se nos monólogos, que se constituem diálogos, entre um enfermeiro e um doente num hospital psiquiátrico. Particulariedade: o enfermeiro chama-se João, o doente crê que é Jesus, o ausente é Pedro. Esta Paixão não tem sangue, mas sofrimento há quanto baste. A peça que se mantém em cena até dia 17 deste mês é um enorme retrato tanto da demência como da religiosidade, enquanto demência. Aquele João é enfermeiro, mas também apóstolo. Aquele Jesus é doente, mas também Ele. As intercorrelações entre demência e história religiosa estão à superfície desde o início, como que criando um novo Testamento à luz da contemporaneidade. E se Jesus vivesse hoje? Poderia ser assim. E só não seria assim porque Ele, dizem, esteve cá então, antes. São os dementes prévios ou contemporâneos aos seus objectos mentais? Era Jesus demente, e seria assim, mas sem seguidores? Era João um apóstolo ou um enfermeiro? O texto de Tarantino, extremamente difícil de trazer à vida, tem em Américo Silva e Miguel Borges dois excelentes executantes, sobretudo no caso deste último. A interpretação de Borges é extraordinária, levando a admitir que o acesso à demência é directo pela representação. O que faz todo o sentido. O Alkantara começa muito bem.
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