[4 de Julho] Os quarteirões sucedem-se. Do Passeig de Gracia percorro o Carrer de Mallorca refugiado na sombra da margem esquerda, enquanto o calor se abate sobre o fim de tarde. Os cruzamentos dão lugar a pequenas praças, com estacionamento aos cantos. Os edifícios cheiram a Paris, entradas com escadas douradas, portas trabalhadas sobre a data que atesta a passagem do tempo. O olhar vertical denuncia-me. Dois homens de estomâgo pronunciado reparam levemente na minha passagem, sem se deixarem perturbar. Ninguém nas janelas. Uma mulher de ar inflexível sai à rua e dirige-se decidida no mesmo sentido que eu, com diferentes intenções. Após uma esquina, árvores ladeiam a praça e apenas os picos se mostram, numa surpresa redundante. Velhos abandonam-se nos bancos, como em qualquer parte, trocando palavras com intervalos de segundos. Vencendo os caminhos naturalmente serpenteados do jardim, as três torres da fachada da Paixão convivem com figuras angulares. A Sagrada Família junta-se na quadratura do círculo, aqui num beijo de Judas, ali na ternura de Maria, além numa crucificação privada de lágrimas. Todas as figuras desafiam abertamente a estética cristã e revelam-me, pela primeira vez, onde estava o génio de Gaudi quanto o eléctrico o privou de oxigénio. O baldaquino, anormalmente dourado, espera pelo seu altar. Entro, e a ideia de uma catedral inacabada ganha nova forma. Os pilares laterais erguem-se sem destino, enquanto as abóbodas são janelas para o céu, sem intermediário de pedra. Ao centro, milhares de andaimes aninham-se para preencher o espaço, instalação pós-moderna ou a justificação de surrealismo como um murro no estomâgo. O percurso está definido, percorro o espaço pelo perímetro interno do projecto. No lado oposto, a fachada da Natividade diz ao Papa que durma descansado, pois que a Fé, Esperança e Caridade têm a sua forma como a história dita, guardando o espírito católico dos catalães. O espaço religioso com a maior prova de que a ausência é a melhor construção simbólica da completude.
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