Eu não sou uma mulher. Eu não quero ser uma mulher. Porque as mulheres têm algo que eu nunca podia ter, uma mistura de neurose com estética psicológica, melange muitíssimo mais interessante de ser observada de um ponto de vista masculino do que participada por dentro. Eu não gosto de lulas. Nada na lula é bom, se pensarmos bem nisso. Têm diversos cornos. A consistência é um misto de borracha com latex, criando uma sensação divergente de tudo na boca. O sabor concreto da lula tem que ser mascarado com outros ingredientes, seja um recheio, seja um molho de tomate, seja o óleo da frigideira. Estou perfeitamente convencido que, na prática, ninguém gosta mesmo de lulas. Pensam que gostam, mas na realidade gostam é do recheio, do molho de tomate ou do sabor a óleo. Eu não suporto o calor. Pragmaticamente, com o frio é sempre possível vestir mais uma camisola, umas calças por cima de umas calças, mais um cobertor, mais um aquecedor, umas meias por cima de umas meias. Com o calor tudo se pode despir e a sensação é exactamente a mesma, a humidade a trepar pela pele, a sensação de perda de compostura, a transpiração mental, a noção de incapacidade para controlar o ambiente e a situação. Estou perfeitamente convencido que, na prática, ninguém gosta mesmo do calor. Gostam da praia, da practicidade de andar com tecidos leves e menos peças de roupa, da ideia de uma vida menos intensa e mais desportiva. Assumem que o incómodo é menor. Associam o calor a maior nível e duração de luz, o que é humanamente compreensível enquanto factor decisivo. Eu não penso em festejar a vida. E não considero que este facto seja, em si, negativo. A questão da atitude perante a passagem do tempo e o “tempo de vida” de cada ser humano é pertinente. Eu não sou gótico. Mas não me peçam para festejar o envelhecimento, a decadência permanente do corpo, a compilação de memórias, como se uma velha biblioteca condenada ao fogo fosse, em si, suficiente para se festejar permanentemente, na sua existência. O existir não é, por si só, razão para festejo. O desenvolver do existir, esse sim, pode merecer formas agendadas de celebração. Mas isso é com cada um. Eu não tenho uma atitude negativa perante o tempo. Mas coloco-o no seu devido lugar, onde pertence: no das coisas que existem para além de mim. Eu não menosprezo o respeito que lhe devo, e se me quiser celebrar, será no interior de mim mesmo, por imposição orgânica mais do mental. Eu não compreendo a dificuldade de controlo sobre a linguagem. Tendo noção que tudo parte de um patamar neurológico, porém foge-me desde sempre a competência engasgada da esmagadora maioria das pessoas, sobretudo das que, linguísticamente competentes, não o são quando necessário na prática. Há algo no sistema de linguagem que sempre me pertenceu, a capacidade de verbalização estruturada e concreta das coisas que existem, ou das dimensões dos factos que podem existir no que digo. Eu não discuto com qualquer pessoa. Partindo do princípio de que nem todas as existências me merecem atenção, pois que seria um qualquer deus se assim o fosse, arrasto a minha perceptividade apenas quando o interlocutor se mantém consciente no seu lugar, seja competente na matéria em causa ou não. A maior parte não são conscientes de si. Eu não fujo de pessoas. Mas dificilmente as procuro no seu espaço humano. Erradamente, conjecturo à partida um formato para cada um, e apenas com base nesse plano decido a jogada de aproximação ou fuga. A maior parte das pessoas são pessoas, e, gregamente, eu gostava de me dar com os deuses.
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