The Squid and the Whale (****)

Noah Baumbach é cúmplice muito íntimo de Wes Anderson e isso cheira-se logo nos primeiros minutos de The Squid and the Whale ("A Lula e a Baleia", em versão tuga). Corria plena década de 80, andavam os Abba na berra na Europa e o festival da canção ainda era visto por alguém, quando em Brooklin um casal com dois filhos homens assume a separação. A coisa não é fácil para ninguém e já então, pasme-se, os EUA assumiam enorme taxa de divórcios, algo que só chegou em força a este cantinho à beira-mar plantado já perto do fim do milénio. Até aqui The Squid and the Whale podia ser um filme banal. Mas eis que entra o dedo de Baumbach, que deve sonhar com Wes Anderson todos os dias, e surge algo bem diferente. É um divórcio sim, mas entre dois aspirantes a intelectuais, com total verbalização emocional, em sentidos diferentes. É Brooklin sim, mas uma Brooklin romântica com árvores nas ruas e fins de tarde de aspecto ameno. São dois rapazes sim, mas claramente perdidos emocionalmente perante a avalanche de referências e comportamentos dos pais, e não desligados da realidade pela criação de uma outra. O sabor independente do filme mantém-se na boca de princípio ao fim, e todo o argumento se alicerça num fluxo de culpas e desculpas de todas as partes. Não há o bom e o mau da fita. Não há o provocador e a vítima. Não há o são e o doente. Existem dois seres de profunda bizarria que baralham com igual profundidade a cabeça já formatada de dois jovens em puberdade aberta ao mundo. Ao jantar diz-se que livros de Dickens são maiores ou menores. Escondem-se livros debaixo de camas com a real convicção de posse. Fala-se abertamente de sexo como um beatnik, para no minuto seguinte não se saber responder a uma agressão por silêncio. Baumbach tem ainda outros primores, a começar na capacidade de recreação de uma época sem referências sociais ou culturais explícitas e a acabar no espantoso desempenho de Jeff Daniels, sempre tido como actor menor e protagonista de alguns dos piores filmes dos últimos 15 anos. Muito mais do que um filme sobre o Divórcio, é um filme sobre o divórcio de um casal de escritores nova-iorquinos nos anos 80, com as suas manias, vícios, dificuldades e sorrisos, o que tem claramente muito mais interesse que estuchas europeias sobre a noção de família e casais frios onde o amor "desapareceu". Em The Squid and the Whale não interessa o porquê psico-somático da situação nem a desagregação da família clássica. Interessa quem fica com o gato às terças, quintas e sábados. Porque o gato é família.

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