Dia 4: Barcelona

[5 de Julho] Quatro da tarde e a Rambla alonga-se a norte como um boulevard. As lojas admitem clientes de passagem de sorriso franco. Entro na Colmado e as latas antigas de atum sublinham o tempo. Ao balcão homens com mais de meio século, contemporâneos da casa, dão respeito ao ambiente. Pergunto por Priorat e alguém me indica uma prateleira ao fundo, passando a balança, junto à montra do fundo. Demoro-me. Leio rótulos, analiso castas, procuro o conforto visual com a expectativa de um sabor a uvas que não me faça pensar no Douro. O empregado dá-me espaço, ruminando silenciosamente pelo canto do olho. Tomo uma decisão e um leve sorriso acolhe-me no seio catalão. Mais abaixo, uma loja de chocolates obriga-me a entrar por uma caixa de cerâmica desenhada por Gaudi directamente da cripta. O castelhano sai fluente, dentro do erro comum. Por baixo dos seus perto de sessenta anos, a senhora baixa os óculos de corrente, antes amparados no nariz, e reconhece o interesse pelos produtos. Refiro que sou de Lisboa quando me pergunta se é a minha primeira vez na cidade. Elogio a lindíssima loja com o olhar perdido nas avelãs cobertas, ao fundo. Indica-me que Mauri, assim se chama o estabelecimento, é a irmã mais nova de Mauri, do outro lado da rua. "Esta é nova, tem cinquenta anos. Aquela tem mais de cem." A novidade só vende veludo gustativo, a outra é uma das pastelarias mais finas da Catalunha. Oferece-me um chocolate a provar antes que me decida, com a delicadeza de uma princesa velha. No final, oferece-me uma pequena caixa com talvez dez dos tradicionais Mauri, "para o caminho". Saio e atravesso a rua, como que para cumprir uma promessa. No balcão, pequenas bolachas cobertas por amendoas fazem primeiro plano a três senhoras maiores, de idade. Perguntam-me "qual o pastis" e recrudescem ao som do castelhano que tento articular. A escolha é colocada numa forma de cartão, sem tecto, por forma a formar uma pirâmide, encimada por uma fina folha de papel vegetal, para não ferir a face visível da arte e deixar a maçã com a imagem que merece. Não me agradecem a visita. Era minha obrigação estar ali. Elas sabem-no.

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