Abrupto

Há muito tempo que descobri (foi, digamos, uma "revelação") que tenho graves problemas mentais (e tenho consciência deles, o que não ajuda). Um deles é fazer zapping a alta velocidade e teorizar sobre isso (não o vou fazer aqui hoje). Isto faz com que, dividido entre dois ou três canais que cobrem o mesmo acontecimento ou acontecimentos concorrentes, divido a minhas atenções tentando cobrir tudo o que se passa. Ontem à noite, por exemplo, vi simultaneamente o Sporting e o Benfica, a espaços. E não, não me interessa poder ver os dois no mesmo ecrã, como os novos sistemas da Powerbox disponibilizam. Isto tudo para dizer que domingo passado não segui apenas a transmissão da RTP ou da SIC ou da TVI, segui todas. Assim estilo o meu amigo Miguel Gaspar, crítico de televisão agora regressado ao DN.
Vai daí, não apanhei tudo o que José Magalhães, Pacheco Pereira e Lobo Xavier disseram na SIC. Vejo a quadratura do círculo todas as semanas, já ouvia quando era "apenas" um programa da TSF, há anos. Nâo me situo na área política de Pacheco Pereira, mas é sobretudo por ele que vejo o programa. E por uma razão muito simples: é, dos três, claramente o mais independente e o mais inteligente. Não pensa se o que diz pode deixar o PSD mal visto. E fá-lo conscientemente. Não quero com isto dizer que seja sincero, na acepção socrática do termo. Mas é independente, o que é raro nos dias que correm para alguém, ainda assim, politicamente comprometido.
Creio que, quando me interessei por esta questão dos blogs, o primeiro ou dos primeiros que visitei foi o Abrupto. Não vou aqui discorrer sobre a forma como os blogs se tornaram um novo media dentro de outro media (a internet), não vale a pena. Basta ler o Abrupto e isso percebe-se bem (o Barnabé é outro exemplo). No domingo vi então as transmissões da SIC, RTP e TVI como sempre vejo, sem demais análises para além das que, defeito de formação jornalística, se impõem (quem não vê a falta de racord nas peças dos telejornais que levante a mão).
Na terça-feira li o Abrupto. E dei conta de algo que não me tinha apercebido no domingo: Pacheco Pereira foi actualizando o Abrupto durante a emissão (juntaram-se também Magalhães e Xavier, mas sem interesse). E, fazendo um flashback, o mais extraordinário é que Pacheco, dizendo, em conteúdo, o mesmo nos dois meios simultaneos (o blog e a TV), fá-lo de forma totalmente diversa. Para além do óbvio "the media is the message" do MacLuhan (alguém sabe que a "Galáxia de Gutenberg" não está traduzida em português?), há algo muito curioso em tudo isto. Exemplo: às 19:59, JPP escreve "Vem aí a hecatombe". Como se diz isto em televisão?
Mais longe: não tive a felicidade de ter consciência, no domingo, da simultaneidade de meios, mas se tivesse tinha tido acesso directo ao que pensa Pacheco Pereira quando diz algo na TV. Isto é, quando JPP diz "x", na realidade pensa em "y". E esse "y" está, passados segundos, no ecrã do meu PC. E esse "y" não se pode dizer dessa forma em televisão. E a isto tudo, meus amigos, chama-se "tom confessional".

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