Listas valem o que valem. Esta é dos espectáculos que, até ver, merecem follow-spots dedicados, sejam dança, teatro, novo-circo ou demais formas de expressão em palco. Ora, caraças, vale a pena:
Nefés: o grande acontecimento do primeiro semestre é o apelidado "Festival Pina Bausch". No fundo no fundo, e vamos ser frontais, chamá-lo de festival é demasiado. A coisa resume-se à apresentação de três espectáculos, algumas conferências, projecções e exposições. E um festival deve ser mais do que um olhar para trás. Mas ok. Atenção, a iniciativa não é de ignorar, sobretudo se tivermos em conta que estamos a falar do maior génio da dança contemporânea: ela mesma, Pina. Nefés, primeira obra a subir ao palco, é um projecto de 2003 criado em Istambul, no mesmo sentido de Masurca Fogo (de que se fala mais à frente). Na prática, é a visão de Pina sobre a cidade turca, sobre os seus sentidos e pertenças, numa toada já menos subversiva (quando comparando com trabalhos mais antigos) mas não menos acutilante. Nefés, de Pina Bausch e Companhia Tanztheater Wuppertal, estará no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, nos dias 2 e 3 de Maio. O Animatógrafo já garantiu presença.
Masurca Fogo: dentro do festival acima referido, Masurca Fogo será porventura o evento que conseguirá atrair maiores atenções. E sobretudo por se tratar de uma peça sobre Lisboa. Integrada no Festival dos 100 dias, que antecedeu a abertura da Expo98, Masurca Foge é a visão de Pina sobre a capital e sobre os seus habitantes, sobre os seus espaços e respirações. Tive a felicidade de ver o espectáculo em 1998, na sua primeira apresentação, e o olhar da alemã é simultaneamente crítico e melancólico, devolvendo aos portugueses o que são e como são. Criativamente impecável, o projecto teve uma enorme margem de liberdade na sua concepção, mas não deixa por isso de ser focalizado. Não é um postal, mas antes uma interpretação de uma comunidade e das suas histórias, e muito é reconhecido por quem vê não como tiques mas antes como comportamentos observados e transformados para uma apresentação artística. É, acima de tudo, uma visão artística externa sobre nós, alicerçada naquilo que a contemporaneidade tem de melhor no campo da dança: Pina Bausch. Masurca Fogo, de Pina Bausch e Companhia Tanztheater Wuppertal, estará no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, nos dias 7, 8 e 9 de Maio.
Café Müller: e aqui um monumento. As primeiras imagens que me lembro de ver de Pina Bausch, as que me fizeram ficar rendido e curioso simultaneamente, são de Café Müller. E aqui reproduzo apenas palavras alheias: "A história de Cafe Müller é a história de uma excepção: 40 minutos de duração e seis intérpretes, entre os quais a própria Pina Bausch, que só no Cafe Müller decide aparecer e dançar em cena. […] A sua própria génese constituiu uma excepção […] por exigências do cartaz, quando o mesmo bailado foi encomendado a quatro coreógrafos: além de Pina Bausch, Hans Pop (seu assistente), Gehrard Bohner, e o romeno Gigi Caciuleanu. Cada um destes criadores devia inspirar-se numa cenografia realizada propositadamente por Rolf Borzik, e cada uma das quatro propostas tinha o mesmo título: Cafe Müller. A cena – uma divisão cinzenta com painéis de vidro transparentes e uma grande porta giratória de lado, ao fundo – podia modificar-se segundo o desenvolvimento de cada coreografia. O Cafe Müller de Pina Bausch era o último da noite: a cena enchia-se de cadeiras e mesinhas escuras, só para este trabalho. […] A acção é despojada e cortante. Na floresta de cadeiras vazias e gastas, pesa a angústia de uma solidão remota. Pina Bausch recorta-se ao fundo, ligeira e espectral, com uma túnica de tom claro. O passo é curto e incerto, os olhos estão fechados, as mãos estendidas para a frente: vidente sonâmbula, fantasma da consciência de si própria. Levada pelo som dilacerante da música de Purcell, Malou Airaudo dança movimentos entrecortados, de circularidade suave, e as mesmas sequências são retomadas pela coreógrafa, que faz o papel de duplo, mas com um tempo sempre desfasado circula às cegas na selva de mesinhas e de cadeiras, que vão sendo retiradas por Borzik, assim traçando o seu percurso. […] Cafe Müller é uma lamentação de amor, uma metáfora doce e inquieta sobre a impossibilidade de um contacto profundo. É um trabalho estruturalmente simples e emocionalmente flagelante, que impressiona pela sua pureza e coerência. A desolação ambiental, o langor fúnebre, a violência da tipificação do relacionamento do casal, constituem elementos de verdade, de absoluta sinceridade expressiva – para além de psicologias ou simbologias e de qualquer tentativa de ‘realismo’. Todo o significado é confiado ao movimento: aos gestos e à dança […] Pina Bausch celebra a sua problemática identidade de autora. Cafe Müller é apenas uma obra sobre a mortalidade do amor. É também – e sobretudo – a confissão extrema de um estado de crise criativa: Cafe Müller consagra uma passagem, dramatizando uma tensão de pesquisa que se coloca no plano da interrogação. ‘Com Cafe Müller, Pina Bausch também criou o seu Oito e Meio’, foi o comentário de Federico Fellini, após ter visto o espectáculo.» in O Teatro de Pina Bausch, de Leoneta Bentivoglio, edição do ACARTE/Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, pp. 98-99. Tradução de Maria José Casal-Ribeiro.
Café Müller, de Pina Bausch e Companhia Tanztheater Wuppertal, estará no Teatro São Luiz, em Lisboa, nos dias 4, 5, 8 e 9 de Maio. O Animatógrafo já garantiu presença.
England: vi Tim Crouch em Junho de 2006, na Culturgest. Na altura apresentou um enorme An Oak Tree, espectáculo em que convida um actor diferente todas as noites para interpretar um texto que não conhece e que lhe é dado apenas quando sobe ao palco. Crouch consegue, co-protagonizando a peça, abordar os limites da representação e envolve a audiência num processo de concretização de teatro, em termos efectivos (a peça está agora em Londres, no Perry Street Theatre). Desta feita, o inglês vem a Lisboa com England e o pressuposto de originalidade é comum. Só que desta feita a coisa decorre na Galeria 2 da Culturgest, por entre uma exposição de Francis Stark. A peça foi multi-premiada quando da estreia, no (grande) festival de Edimburgo, em Agosto último, e a descrição apresentada pela Culturgest é suficientemente sugestiva: "ENGLAND é a história da busca por um novo coração. É sobre uma vida que se salva e uma doença que se ultrapassa a qualquer custo. É uma visita guiada que atravessa espaços e fronteiras: de uma galeria de arte a uma fábrica de compota, de Lisboa a Osaka, da cama de um hospital a um quarto de hotel.
É uma visita guiada ao fim do mundo.“Os pacientes gostam de olhar para os quadros. Ajuda-os a sentirem-se melhor com as suas doenças.”" A ver de 26 de Fevereiro a 1 de Março, na Culturgest, em Lisboa.
Operação: Orfeu: já quase tudo se experimentou no campo das artes performativas, mas ainda existem projectos que merecem luz pelo risco. O espectáculo do grupo dinamarquês Hotel Pro Forma, a ser levado ao palco no Centro Cultural de Belém, é definido como uma "ópera visual". E o que é uma ópera visual? Nas palavras dos próprios é "a reconceptualisation of the opera genre. Causal and dramaturgic sequence in libretto and music is replaced by a series of tableaux and compositions informed by purely visual and auditive principles rather than by dramatic modes of narration. The performance is a visual interpretation which comes to rediscover the basic elements of traditional opera". Na prática, o projecto recupera o conhecido mito do músico apaixonado que desce ao mundo dos mortos para recuperar Eurídice. O grupo anda a recolher aplausos Europa fora, e avaliar por algumas imagens, o espectáculo tem tudo para ser um dos marcos dos primeiros meses de 2008. A ver, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, a 25 e 26 de Janeiro.
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