Gus Van Sant fez tanto de bom como de mau. Filmes bem recebidos mas menores como Good Will Hunting deram lugar a experiências metafísicas como Gerry ou a projectos sólidos como Psycho ou Elephant. Mas algo parece certo: o norte-americano tem feito um esforço por elevar a fasquia. Paranoid Park ficará na carreira como um projecto sólido, em busca de um cinema pensado e não refém do público. A história, no seu núcleo, é simples: um adolescente está origem da morte de um homem através de uma acção involuntária no seu propósito. Mas Paranoid Park tem sobretudo bem mais do que argumento, do ponto de vista da história contada. Van Sant filma, do princípio ao fim, um misto de adolescência urbana honesta nos seus pressupostos, sem bodes expiatórios ou violência hormonal, com um vazio de realidade num excesso da mesma. Alex é um aluno mediano e discreto, skater em aprendizagem e padronizado. É sobretudo a figura de uma adolescência ocidental, mais do que americana, não soterrado em dramatismos de puberdade mal resolvida mas também não desprovido de capacidade pensante. É sobretudo o produto de uma família em desagregação, alicerçado nos amigos e nos espaços. Ao cumprir um sonho romântico (andar num comboio de mercadorias à noite), vê-se envolvido num homicídio casual e, dir-se-ia, ingénuo. E em tudo Van Sant filma um ambiente e uma realidade pessoal descolada da observação do real, criando uma dimensão de filme que só tinha existido até aqui em Elephant. Os planos frontais são honestos e a camera lenta parcimoniosa. Em tudo perpassa como que um nevoeiro claro que transmite muito mais do que à primeira vista se possa ver. Van Sant volta a filmar céu, muito céu, e de novo Portland, que parece ser o fim do mundo ocidental, com um negrume que passa para a fita. O livro de Blake Nelson, que deu origem ao filme, é (dizem) bem mais certinho. Porém, o realizador parece ter lido os Cadernos do Subterrâneo, de Dostoievski, durante muito tempo e resgatou o herói sombrio e alterado do russo, agora numa versão mais jovem, mais angustiada. Mais dilema. Melhor cinema.
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