[Observatório] O meu primeiro contacto com Harmony Korine foi em Julien Donkey Boy, de 1999. Na, acredito eu, única apresentação em cinema em Portugal (mais concretamente no desactivado Cine222) percebi que estávamos na presença daquilo que gosto de designar por um gajo esgroviado. Korine era e é um espírito livre. E soturno, até agora. Vejamos: em Gummo, de 1997, seguia um conjunto de personagens numa Ohio devastada por um tornado, e Julien, dois anos depois, era um esquizofrénico numa família rasgada pela estupidez. Korine, que esteve dez anos sem filmar uma longa metragem, construiu não só o mito do seu cinema independente, como o alicerçou em retratos duros, negros e irreais de verdadeiras personagens, mais do que pessoas. E eis que, chegado a 2007, Korine olha para trás e decide arriscar no mundo positivo. Mister Lonely é, assim, claramente um filme de Harmony Korine, mas pelo lado do risco que o norte-americano sempre seduziu, mais do que pela temática. E ficará possivelmente como o filme mais surreal do Indie: algures nas montanhas uma comunidade de sósias de artistas sobrevive criando gado e montando uma barraca que baptizam de teatro. Marilyn Monroe é casada com Charlie Chaplin, a raínha de Inglaterra dorme com o Papa, Michael Jackson ainda tem o nariz direito e dá gritinhos há beira do lago, e Abe Lincoln ri-se como um trovão. O objectivo é claro por entre a irrealidade dos agentes: não envelhecer ou pelo menos permanecer na expectativa do derradeiro espectáculo, onde todos podem ser quem decidiram ser e não quem a sorte ou azar os entregou na realidade. Pelo meio Harmony semeia freiras que caem de aviões e não morrem. Pelo meio Harmony lança músicas tribais do Mali. Pelo meio Harmony faz o filme mais positivo da sua vida, e atinge o ponto de contacto onde ele dói, atirando o ser humano para a sua própria escolha de real e não como vector reactivo de uma sociedade onde, parece, muitos estão deslocados. Decorem este nome: Harmony Korine.
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