É um facto indesmentível que Francis Ford Coppola já entrou na história do cinema antes de Youth Without Youth. Terá bastado Apocalypse Now e a triologia The Godfather para o norte-americano figurar na galeria máxima do motion picture mundial, nomeadamente como um dos expoentes máximos do lado de lá do Atlântico. Ainda assim, aos mestres exige-se mais do que aos defuntos, e a Coppola exigiu-se durante muito o seguimento daquela que foi uma das mais brilhantes carreiras cinematográficas dos anos 70 e 80. Já Dracula, lançado para os ecrãs em 1992, tinha sido uma respiração forte do realizador que parecia apagado. Mas depois nada veio e Coppola começou a mistificar-se. Chegados ao dia de hoje, chegados a 2008, eis que Coppola regressa. Youth Without Youth é definitivamente um dos filmes do ano e recupera o americano à luz do cinema, mesmo que públicos e/ou crítica não lhe queiram granjear louvores. O filme é um Coppola que não é um Coppola e assim se torna um Coppola. Paradoxos à parte, explica-se. É um Coppola porque assinado, de forma profunda, pelo realizador. Não é um Coppola porque foge quase por completo a uma cinematografia de origem formalmente norte-americana, singrada nas feridas dos Estados, sejam a história da maior organização underground em terras de Sam - a Máfia - ou o desastre que mais terá marcado a história bélica do século XX a olhos unidenses - Vietnam. E acaba por ser de Coppola precisamente por não ser, por ser um objecto assumidamente experimentalista, com os dois pés e cabeça fora de uma realidade palpável, e por devolver um Coppola que arrisca no limite, que recupera uma visão de jovem criador, ainda que aproveitando o branco das suas barbas e os quilómetros de película que as habita. A história não é simples: Dominic Matei, septuagenário, linguísta estudioso da origem das línguas com trabalho inacabado, é fulminado por um raio em plena Bucareste. Contrariando a morte, Dominic vê-se paradoxalmente regenarado pela carga eléctrica, que lhe devolve uma juventude perdida há muito. Com nova pele e uma face 30 anos mais nova, vem uma hiper-memória que o leva a um novo plano mental e cognitivo. Identificado pela Gestapo e alvo de enorme curiosidade científica pelos planos de Hitler, Dominic exila-se para reencontrar, depois de muita coisa, a mulher perdida na juventude, agora encarnada em Veronica. Esta, por karma também alvo da ira das nuvens, tem um comportamento inverso e entra em estados proto-mediunísticos, recuando todas as noites a uma era cada vez mais antiga e mais próxima da origem da linguagem. Cada noite Veronica, ao contrário de Dominic, envelhece de forma clara, expondo a antítese do romeno. Youth Without Youth é um filme profundamente filosófico, que obriga o espectador a um contínuo trabalho de questionamento dos conteúdos simbólicos das imagens e das personagens. Coppola, através de um trabalho esteticamente evoluído e de um argumento de complexidade máxima, introduz discussões sobre o excesso e a falta memória, sobre as origens da linguagem, sobre o relacionamento humano e as decisões tomadas em virtude de encruzilhadas kármicas, não se esquecendo de abordar determinadas visões possíveis a meio do século sobre um futuro que, a habitantes do planeta atómico, parecia justificadamente diferente do que sabemos ter-se concretizado. Tim Roth, num papel de transparente dualidade, é perfeito, Alexandra Maria Lara é a face da ternura e do terror que Coppola precisava e até o envelhecido Bruno Ganz cumpre, como sempre, o perfil científico-histórico que lhe é exigido. Youth Without Youth é um documento de cinema completo, em forma, conteúdo e estética, assinado, e com substância para permanecer num tempo em que os filmes são mastigados em vigor de reciclagem. O Animatógrafo curva-se, de novo, perante si, senhor Coppola. De novo.
0 comments:
Enviar um comentário