Cavaco e os Açores

"Declaração ao país". "Assunto da maior importância". "O Presidente da República interrompe as férias para uma comunicação em directo nas televisões". Medo. Muito medo. Sobretudo porque Cavaco Silva acabou ontem, a partir das 20:01h, por provar o que dissemos de forma dura e directa durante a campanha que o elegeu: que não tem o menor perfil para o cargo. Quando o país se vai deprimindo atrás do preço dos combustíveis, quando a inflação dispara como não se via há quase 15 anos, quando a taxa de desemprego não dá sinais de abrandamento efectivo, quando as taxas de juro não estabilizam minimamente, quando a Europa e os Estados Unidos se vêm a braços com problemas de ordem económica e social profundos, quando o falhanço do Tratado de Lisboa mergulha a Comunidade Europeia em nova crise institucional, quando a Assembleia da República parou os seus trabalhos, quando tudo isto acontece, o Presidente da República Portuguesa decide fazer uma comunicação ao país sobre um tema absolutamente periférico. Mais do que isso, vai para os ecrãs de televisão, a meio da época estival, dramatizar um estatuto que já havia sido recusado pelo Tribunal Constitucional e que, assim, teria sempre necessariamente que regressar à Assembleia. E, por cima de tudo, o que o preocupa é a obrigatoriedade, inscrita no documento, de aumentar o número de audições prévias a uma dissolução do parlamento regional, bem como ter que ouvir a assembleia regional antes de nomear um representante da república para o arquipélago. A meio do Verão, num país meio parado ou pelo calor ou pelo custo de vida, o assunto é tudo menos o que preocupa os portugueses, ou sequer a classe política, cujas reacções não deixaram esconder o espanto pela forma como a questão foi levantada. Mais: em vez de manter a questão num plano político-institucional onde claramente pertence e será resolvida, Cavaco hiperbolizou-a totalmente, procurando os ecrãs nacionais com cara de caso. Numa época em que se fala à boca cheia sobre a exagerada mediatização do sistema político-partidário e dos seus intervenientes, e da apropriação que estes tentam fazer dos media para passar um conjunto de mensagens, usualmente vazias, o Presidente da República dá o pior exemplo possível. Preocupado apenas e só com as suas competências no cargo, com o seu umbigo, escondeu-o atrás de um fatinho de economista de empréstimo em Belém e veio gritar "aqui d'el Rei, que me querem foder!". E ninguém quer. Medo. Muito medo.

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