E eis senão quando surge um gradessíssimo favorito ao prémio da Competição Internacional. Um pouco mais pequeno que o Indiana, do fotógrafo Daniel Blaufuks, é um daqueles filmes singulares que só aparecem de vez em quando. Misto de road-movie com documentário aberto, em registo de radiografia do país que somos e que temos, Um pouco mais pequeno que o Indiana centra-se na viagem de Blaufuks, ao volante de um velho Mercedes, numa rota imaginária criada a partir de velhos postais. O realizador montou a camera como pendura e filma as estradas, ruas, pessoas, lugares, vivendas e paisagens que lhe aparecem pela frente, conversando com o espectador sobre o estado a que chegámos. A viagem tem por cenário o Portugal abrasador na ressaca do Euro2004, trinta anos depois da revolução, trinta anos em que podíamos ter evoluído assim e desenvolvemos assado, trinta anos em que se fez muito mas se perdeu muita oportunidade. O olhar de Blaufuks é verdadeiro e não cede um milímetro, é fatal, meticuloso, focalizado, sem perder o sentido de humor. O equilíbrio é difícil, mas a realidade ri-se de si mesma. Pelo meio há reflexões sobre a difícil portugalidade, sobre a falta de trabalho sobre a memória colectiva, sobre o passado recente e o menos recente, há imagens de arquivo de estrangeiros a dizer que o Estoril é "muito lindo", há um postal de uma criança a desejar feliz aniversário a Salazar, há os Dead Combo a sublinhar todos os quilómetros com o assumido western vadio. O trabalho estético de Blaufuks é intocável, e os pontos de contacto com a sua carreira de fotógrafo são evidentes. Os planos são de esteta, sejam de uma vivenda absurda ou de uma porta de hotel. Blaufuks fala mesmo de cores, de como o céu antigamente era azul e agora é branco, mas nunca num sentido de saudosismo. Antes passa a ideia de como poderíamos ser outros, de como podíamos ter sido outros, de como o país que temos é o país que somos. De início há imagens de Lisboa a meio do século XX, irreconhecível, por fim há uma bandeira queimada pelo sol que se prende a si mesma no mastro, como que a furtar a cumprir-se. Um pouco mais pequeno que o Indiana não é documentário, não é ficção, não é jornalismo, não é manifesto. É um algo indescritível, um misto de visão e assumpção, um misto de crítica com análise, um misto de tristeza e esperança. Que é o que somos.
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