Sim, eu votei no homem. E não, não estou arrependido. Mesmo que aquela história com o Diogo Infante fosse verdade, não estaria arrependido. O Simplex e o PRACE são mais umas razões para não estar arrependido. A ameaça/ideia de baixar a taxa de alcoolémia, que o Secretário da Administração Interna veiculou ontem, é mais uma razão para não estar arrependido. A subida de impostos teria sido uma razão para estar arrependido, mas quando fiz a cruz sabia que ele estava a mentir. E isso não me incomodou. Porque se ele tivesse ido para os debates a dizer "sim, vou aumentar os impostos, sim, vou despedir funcionários públicos, sim, esta festa tem que acabar" nunca tinha sido eleito e tínhamos Santana por mais uns meses, e nova dissolução, e um sarilho dos diabos para resolver. Ele estava a mentir, eu sabia-o, e disse-lhe, com uma cruz, "tá bem". Porque tinha esperanças que acabasse a festa da Administração Pública. Porque tinha esperanças que se lembrasse que é vital implementar educação artística nas escolas, e estabilizar a colocação de professores, e obrigar à flexibilidade e dinamismo da máquina do estado, e melhorar as formas de cobrança de impostos, e voltar a colocar a cultura no plano que uma sociedade evoluída merece e necessita. E não, o tipo não é perfeito, o tipo já fez coisas erradas, o tipo não acerta todos os dias. Agora temos o Simplex e o PRACE. Se Sócrates não anunciasse quaisquer medidas, era mais um Guterres nas voz dos opinion makers, era mole, não fazia as reformas necessárias, estava quieto. Como anuncia medidas, é propangandista, fogo de vista, exuberante. As reformas, as famosíssimas reformas que andam na boca dos portugueses há decadas por não mostrarem os dentes, as reformas que toda a gente diz que são necessárias e que toda a gente diz que ninguém tem coragem para fazer, as reformas que às tantas quase ninguém sabe o que são ou deviam ser ou sabem bem demais, elas, as infames, as desejadas, as procuradas, as invocadas, as voluptas, as reformas estão aí. Os sindicatos agitam-se, os funcionários públicos protestam, os polícias reclamam, os médicos remexem-se, as farmácias ameaçam, as igrejas calam-se, os economistas discordam, os jornalistas analisam, a oposição perde-se. Agora temos o Simplex e o PRACE. Um para simplificar, outro para reorganizar. No Público de ontem praticamente todas as secções tinham uma peça sobre a forma como o PRACE vai influir no sector correspondente. Na página 18 pode ler-se "o primeiro-ministro começou a semana a apresentar um conjunto de medidas de simplificação da administração. Depois foi à Assembleia da República falar sobre uma série de propostas sobre ciência e ensino superior. Seguiu-se a apresentação do modelo da reforma da administração do Estado. E terminou a lançar o fórum para o debate sobre o futuro da Europa". Sócrates sabe como ninguém manipular a agenda mediática de acordo com as suas conveniências. Isso é mau? Sócrates serviu-se do aumento de impostos para não utilizar receitas extraordinárias nas contas sobre o défice. Isso é mau? De forma tipicamente portuguesa, os portugueses fazem de Dr. Jekyll e Mr Hyde: nas ruas e nos vox pop o governo são uma cambada de gatunos, que só quer fazer dos pobres mais pobres e gamar para o bolso, mas nas sondagens de opinião anónimas garantem um apoio esmagador ao primeiro-ministro e cilindram a oposição. Muito tuga. Claramente tuga. Na rua ou à frente de um microfone somos todos muita maus, mas depois em casa sozinhos já achamos que "sim, senhor, é mesmo preciso". Se o voto nas eleições foi sobretudo por exclusão de partes e em contra-ponto com o período Monty Python anterior, a opinião agora dificilmente será dentro da mesma onda. Sim, há ministros que já merecem patins (Cultura, Agricultura), sim, há nomeações escandalosas (Vara), sim, há devaneios (Freitas no Canadá), mas no fim de contas Sócrates mantém o rumo. E tudo isto, tudo o que se reforma, o ensino, a burocracia, a administração, o Estado, a cultura, tudo era já muito simples de ver. Não é fácil de fazer, mas era já fácil de ver na altura de Guterres, e depois de Durão, Santana. Não sendo fácil, tudo isto é simplex.
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