[Riscos e Ensaios] Antoine d'Ágata não é um realizador qualquer. Aliás, se quisermos ser bem concretos, não é um realizador. É, isso sim, um fotógrafo brilhante, que entrou para a agência Magnum como associado e está desde este ano como membro de pleno direito. O trabalho de Ágata é duro, corrosivo, à procura das margens negras do humano. E portanto Aka Ana, atrevo-me a dizer que talvez o filme que criou maior expectativa no festival deste ano, não podia ser algo simples ou banal. O fotógrafo parte, desde logo, de um objecto de ruptura: nada mais nada menos que O Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima, realizado em 1976 e que marcou uma época (no caso português talvez seja de maior memória a transmissão na RTP2 que enfureceu a igreja há uns anos). O filme de Oshima, provocador e no limite, à data, do pornográfico, tinha enormes premissas intelectuais, e concretizava-as conduzindo tudo pelo centralismo do ser humano no corpo e pelo corpo. O francês, mais de 30 anos depois, recupera as premissas mas desta feita afasta-se do campo amoroso pessoal e vai à procura das profissionais do corpo. Prostitutas, mais concretamente japonesas, e uma viagem na vertigem do limite, próxima, em grande plano, em planos subterrâneos que nos fazem concentrar na carne. Os sessenta minutos de Aka Ana são histórias de prostitutas na primeira pessoa, que discorrem abstractamente sobre o sexo, o corpo e o ser humano, e assumem várias vertentes. No ecrã, filmagens impossíveis de sexo, em imagens queimadas, querendo levar o espectador quase para dentro do corpo alheio. Aka Ana é, assuma-se, uma experiência mais do que um filme. É algo que se experiencia, que tanto pode fazer sentido num cinema como numa instalação, ou numa performance. E se esteticamente o projecto corre na linha de acção de Ágata e é inatacável, já a concretização mental, pelo texto, se perde a meio. Os testemunhos das mulheres, sussurrados, tentam tanto cair no domínio da filosofia, mesmo que construída individualmente e sem procura de estruturação, que se fecham sobre si mesmas. O filme, por fim, acaba por se enclausurar e não comunica com quem vê. "Eu sou assim, absoluto, este é o meu corpo para mim, estou aqui por existir e não para mostrar". Como experiência, Aka Ana é tudo menos dispensável. Mas ao querer tudo para si, acaba por falhar em levar-nos corpo adentro.
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