La Soledad (****)

Para muitos, o cinema espanhol é sinónimo quase exclusivo de Almodóvar. Ou, quanto muito, para alguns mais atentos, de Aménabar. Uma coisa é certa: Jaime Rosales, que já não é um novato, é desconhecido entre nós. E porém o seu La Soledad (A Solidão, por cá) ganhou os Goya. E, porém também, é um dos filmes brilhantes a estrear em 2008 em Portugal. Discretamente. O projecto de Rosales acompanha duas mulheres, Adela e Antonia, maceradas pela solidão. A primeira, ainda jovem mas de personalidade amadurecida, decide abandonar a aldeia onde vive com o filho e ir para Madrid, à procura do algo que lhe falta. A segunda, já no último terço da vida, é uma viuva que se ocupa do seu mini-mercado e sorri para a neta ou o neto, bebés, quando as filhas lá passam em casa. Unindo as duas, para além do cruzamento narrativo aos nossos olhos (Adela partilha casa com uma das filhas de Antonia), está uma solidão urbana recriminada sob a aparência da normalidade. Jaime Rosales filma assim, ao longo de duas horas, não a exclusão social de quem não tem companhia, mas antes a quebra de ligação emocional profunda com alguém. Adela e Antonia são duas mulheres comuns, ocupadas com micro-histórias do quotidiano, sem sintomas de isolamento ou dificuldades sociais. Ainda assim, são também duas mulheres emocionalmente contidas no seu espaço, com um grau de sociabilidade que reconheceríamos como saudável. A meio, na naturalidade da rua, breve, sem que nada o fizesse esperar, como na vida real, uma explosão. Uma criança que morre. E a partir daí Jaime Rosales filma, pasme-se, exactamente da mesma forma. Não há revoluções. Não há o dramatismo dos dias cinzentos. Há o que a vida transporta consigo mesma, a tristeza engolida, o absurdo que atravessa todas as conversas mas que caso primasse pela ausência sublinharia a tragédia. A meio, na naturalidade de um quarto, também breve, como na vida real, uma explosão dentro do corpo, e um corpo que se sublinha a si mesmo sem vida. E a partir daí Jaime Rosales olha o ridículo dos dias seguintes como se tudo se passasse, preso nas coisas afinal menos perenes que quem as detém. Para tudo isto, o espanhol filma não poucas vezes com o ecrã dividido, onde mostra dois planos, um ao lado do outro, frequentemente do mesmo espaço mas em ângulos diferentes. Um corredor e uma sala. Uma janela e um quarto. Olhando para as personagens em diálogo, mostra-nos a antítese entre a face de um e o perfil de outro, alternando. O resultado é um cinema pensado e construído mais do que mostrado, onde o trabalho do realizador é dar-nos um clima ou ambiente alicerçado no dispositivo técnico que, não se tornando transparente, não se impõe como visão espectacular mas antes reverencia quem ou o que mostra. O resultado de tudo isto é um filme brilhante sobre a nossa vida, nas grandes cidades, perdidos em espaços domésticos abandonados por momentos e redescobertos pouco depois, e a forma como essa vida pode ser atravessada pela morte.

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