[Riscos e Ensaios] O breve documentário sobre Michael Biberstein, praticamente desconhecido em Portugal, tem à cabeça um enorme atractivo: é de Fernando Lopes. O realizador português, autor do mítico Belarmino, é e será para a posteridade uma figura maior do cinema nacional, e tudo em que toca revela-se dourado. O meu amigo Mike ao trabalho é, mais do que um documentário, o registo de um acto criador. Biberstein, que vive em Portugal há 30 anos, é um pintor reconhecido mundialmente com obras em grandes museus, e é amigo de Lopes. E do desafio deste surgiu o filme que marca a criação de uma tela por parte do pintor meio suíço meio americano, radicado no Alentejo profundo. Na solidão do seu hangar, Mike atira-se à tela quase que em transe. A câmera é um espectador silencioso ao fundo da sala, e Biberstein um fantasma que deambula pela tela, ora a esfregar com tinta diluída o local onde nascerá uma mancha, ora sentado feito espectador de si mesmo, ora nos dois papéis simultaneamente, graças ao trabalho de manipulação de imagem de Lopes. Os 49 minutos que se vêem no ecrã da sala escura são assim a imagem de uma criação no seu estado quase religioso, onde as cores, imagens ou premonições se revelam como numa fotografia, à espreita de céu, alquimicamente. Fernando Lopes capta todo o transe que preside à tarefa da criação com uma candura e potenciação de significados fantásticos. E o demais é que o próprio Mike espreita, conta no fim, pela óculo da câmera para ver a criação com outros olhos. Filme sobre a pintura ou pintura sobre filme, o trabalho de Fernando Lopes é uma criação ao mesmo tempo simples e complexa sobre a verdadeira religião humana: a criação da arte.
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